Dívida externa de curto prazo fora dos bancos salta 65,8% em 14 meses

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de agosto de 2022

O cenário para as contas externas brasileiras mantém-se confortável, em grande parte por conta do volume elevado das reservas internacionais e do saldo ainda bastante favorável na balança comercial (exportações menos importações), mesmo diante do crescimento do rombo no setor de serviços, com a volta das viagens internacionais, e o salto nas remessas de lucros e dividendos para fora do País. A despeito daquelas condicionantes, o cenário internacional turbulento e incerto, com a guerra no leste europeu, ameaças inflacionárias, alta de juros e risco de desaquecimento global, requer cautela, ainda que apenas para prevenir dificuldades ainda maiores à frente para a economia brasileira.

O bom comportamento das contas externas, retomando o fio da meada, não dispensa que alguns indicadores mereçam alguma atenção da equipe econômica, até por envolverem setores com menor capacidade de reação a eventuais mudanças de vento no mercado do dólar. Os dados do Banco Central (BC) para maio deste ano sobre o setor externo, divulgados apenas agora, mostram que a dívida externa de curto prazo fora do setor bancário, com vencimento em 12 meses, registrou crescimento expressivo em 14 meses, saltando de US$ 10,550 bilhões em março do ano passado, para US$ 17,492 bilhões em maio deste ano, num acréscimo de US$ 6,942 bilhões.

Os valores, embora nem tão expressivos quando considerado o tamanho da dívida externa bruta, ao redor de US$ 325,689 bilhões, ganham dimensão diversa quando são considerados os setores envolvidos, incluindo empresas financeiras não bancárias, empresas não financeiras, famílias e instituições sem fins lucrativos. Nesta área, a dívida total avançou 13,73% naquele período, saindo de US$ 107,012 bilhões em março de 2021 para US$ 121,705 bilhões, passando a representar perto de 37,4% da dívida bruta total, diante de menos de 35,9% há 14 meses.

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O avanço do endividamento externo daquele conjunto de setores foi responsável por pouco mais da metade do aumento acumulado pela dívida total naqueles 14 meses, saindo de US$ 298,494 bilhões em março do ano passado. Até maio, o saldo da dívida externa bruta experimentou acréscimo de US$ 27,195 bilhões, dos quais US$ 14,693 bilhões vieram do grupo “outros setores”. Proporcionalmente, a dívida bruta cresceu 9,11% até maio deste ano.

“Ajuda” do FMI

Uma parcela relevante do maior endividamento externo do País, no entanto, esteve associada, conforme já anotado neste espaço, à alocação dos direitos especiais de saque (DES), espécie de moeda adotada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que no ano passado abriu crédito extraordinário na conta do Brasil junto ao fundo no valor aproximado de US$ 15,1 bilhões. Ao contrário de vários exemplos no passado, quando o fundo emprestou recursos para socorrer a economia e evitar a quebradeira no País, a medida favoreceu a todos os países membros da instituição, que emitiu US$ 650,0 bilhões em direitos especiais de saque (DES) por volta de agosto deste ano. A ideia então era a de que os países associados ao FMI pudessem repassar parte dos recursos, que são gratuitos, para países mais pobres, que enfrentam dificuldades severas por conta da pandemia.

Balanço

  • A emissão de DES fez a dívida externa do BC aumentar 342,96% entre março de 2021 e maio de 2022, subindo de apenas US$ 4,092 bilhões para US$ 18,181 bilhões. Os recursos foram alocados no passivo da autoridade monetária, tendo como contrapartida, lá atrás, uma elevação das reservas internacionais, que saíram de US$ 352,486 bilhões em junho para US$ 370,395 bilhões em agosto do ano passado, num incremento de 5,08% (ou seja, US$ 17,909 bilhões a mais).
  • Dali em diante, as reservas passaram a oscilar para baixo, atingindo US$ 346,415 bilhões em maio deste ano, o que correspondeu a uma perda de US$ 23,980 bilhões, quer dizer, houve uma queda de 6,47%. A redução não deve causar maiores preocupações, já que as reservas continuavam superiores a toda a dívida externa brasileira, embora essa relação tenha igualmente caído nos últimos meses. As reservas eram 16,58% maiores do que a dívida em março do ano passado e chegaram a maio deste ano com uma diferença de 6,36%.
  • De toda forma, olhando todo o conjunto, o País continua como credor internacional líquido (ou seja, o Brasil tem mais dólares em suas reservas do que os valores devidos ao restante do mundo). Mais claramente, o valor das reservas era US$ 38,979 bilhões maior do que toda a dívida externa brasileira. A vantagem vem encolhendo. Em junho do ano passado, o Brasil era credor líquido de US$ 70,943 bilhões. Até maio deste ano, portanto, essa posição credora sofreu baixa de 45,06%.
  • O aumento do déficit externo no setor de serviços e o salto nas remessas de juros e dividendos para fora do País explicam o crescimento expressivo anotado pelo rombo na conta de transações correntes nos cinco primeiros meses deste ano. Essa conta, como o próprio nome já diz, resume todas as transações realizadas em dólares pelo Brasil e os demais países do planeta. O déficit aqui registrou elevação de 46,45% em relação aos valores acumulados entre janeiro e maio do ano passado, avançando de US$ 10,612 bilhões para US$ 15,541 bilhões.
  • O aumento do rombo veio num período também de crescimento de 47,30% anotado pelo superávit comercial do País, que subiu de US$ 12,646 bilhões para US$ 18,628 bilhões (embora o saldo, na contabilidade adotada pelo BC, tenha despencado 53,29% em maio, frente ao mesmo mês de 2021).
  • A maior contribuição para o aumento do déficit em transações correntes veio das remessas de lucros e dividendos acumulados no País por estrangeiros (bancos, empresas, pessoas físicas) em seus negócios ou em aplicações nos mercados de ações e de títulos públicos e privados. As remessas praticamente dobraram entre os cinco meses iniciais de 2021 e igual intervalo deste ano, avançando de US$ 8,846 bilhões para US$ 17,609 bilhões – numa alta de 99,06%.
  • Na conta de serviços, as despesas superaram as receitas em US$ 10,071 bilhões entre janeiro e maio deste ano, crescendo 60,16% diante do déficit de US$ 6,288 bilhões observado em igual período de 2021. Os gastos líquidos com viagens internacionais, a negócio e a turismo, já descontadas as receitas deixadas aqui dentro por empresários e turistas de outros países, cresceram 528,4%, de apenas US$ 442,974 milhões para pouco mais de US$ 2,783 bilhões (lembrando que esse tipo de dispêndio havia despencado nos meses de pandemia mais severa).
  • O déficit no balanço de transações correntes segue integralmente coberto pelo valor dos investimentos estrangeiros diretos no País, que saltaram quase 52,0% naquela mesma comparação, aumentando de US$ 26,130 bilhões para US$ 39,710 bilhões, quer dizer, pouco mais de duas vezes e meia acima do rombo.