Dívida líquida de Goiânia despenca 84% nos primeiros seis meses do ano
O comportamento da dívida consolidada de Goiânia coloca em dúvida os reais propósitos da administração municipal ao ter insistido na prorrogação do estado de calamidade financeira. A medida foi finalmente aprovada no início do mês passado pela Assembleia Legislativa, conferindo à prefeitura mais 180 dias para realizar o ajuste nas suas contas, que fecharam 2024 com déficit primário de R$ 226,210 milhões, algo como 2,60% da receita corrente líquida acumulada no ano passado. Houve nítida piora nas contas municipais, especialmente quando se considera que a prefeitura havia anotado superávit primário, excluídos gastos com juros, de R$ 429,256 milhões em 2022, equivalente a 6,34% da receita líquida. Mas o cenário fiscal não aparenta gravidade tal a ponto de justificar decisões mais drásticas.
Como parte das alegações apresentadas aos deputados estaduais, a prefeitura havia argumentado então que a calamidade teria se tornado “fundamental em função dos sucessivos meses de déficit que, nos últimos meses, tem se apresentado, e medidas severas deverão ser tomadas até que o cenário se reverta para a situação de superávit”. Bom, os dados oficiais sobre a execução orçamentária mostram que a prefeitura encerrou o primeiro semestre com superávit de R$ 702,137 milhões, correspondente a 15,63% da receita corrente líquida (O Hoje, 05/08/2025), quer dizer, proporcionalmente, um resultado duas vezes e meia mais elevado do que o saldo positivo realizado em 2022.
Mais do que isto, os dados sobre a dívida líquida mostram uma redução drástica desde dezembro do ano passado, o que mais uma vez parece contradizer o cenário mais dramático desenhado pela prefeitura. Em dezembro, a dívida líquida consolidada da prefeitura havia alcançado R$ 910,588 milhões, subindo 27,88% em apenas seis meses, em relação ao estoque de R$ 712,050 milhões em junho de 2024. Em junho deste ano, aquela dívida havia desabado para R$ 144,886 milhões, numa redução de 84,09% ao longo de um semestre, correspondendo a uma queda de R$ 765,702 milhões.
Sem drama
Mesmo considerando os momentos de maior alta da dívida, o quadro fiscal não parecia apresentar a severidade alardeada. O saldo devedor líquido havia avançado de 9,11% para 11,30% sobre a receita corrente líquida acumulada em 12 meses, respectivamente, até junho e até dezembro do ano passado. Mais claramente, os níveis de endividamento mantinham-se muito aquém dos limites constitucionais, que permitem o endividamento das prefeituras alcançar o equivalente a 120% da receita líquida, no limite máximo. A valores de junho deste ano, a dívida poderia chegar a R$ 10,311 bilhões, quer dizer, em torno de 71,2 vezes mais o saldo de fato observado no final do primeiro semestre. Em outra comparação, a dívida de R$ 144,886 milhões correspondia a 1,41% do limite de endividamento fixado pelo Senado. A valer ainda a dívida de R$ 3,647 bilhões inicialmente anunciada pela prefeitura, a relação com a receita líquida estaria em 35,4%.
Balanço
• Os números melhoraram nos seis meses iniciais deste ano, logicamente refletindo o forte ajuste em andamento. A anotar, um ajuste sustentado principalmente por ganhos de receita, que responderam por 72,04% da melhora observado para o superávit primário no primeiro semestre deste ano.
• A dívida consolidada bruta da prefeitura, que já vinha baixando na segunda metade de 2024, anotou recuo de 5,46% desde dezembro passado, saindo de R$ 1,654 bilhão para R$ 1,564 bilhão em junho deste ano, numa redução de R$ 90,327 milhões. Em 12 meses, contados a partir de junho do ano passado, quando a dívida estava em R$ 1,809 bilhão, registrou-se uma redução de 13,56%, o equivalente a um corte de R$ 245,253 milhões.
• As disponibilidades de caixa, cujo avanço mais recente explica em grande parte a redução do endividamento líquido municipal, haviam desabado de R$ 1,097 bilhão em junho do ano passado para R$ 743,706 milhões em dezembro, num tombo de 32,22% em apenas seis meses. A perda no período havia atingido R$ 353,464 milhões e, pode-se dizer, foi integralmente recomposta, até mesmo com sobras, entre o final do ano passado e junho deste ano.
• No encerramento da primeira metade de 2025, as disponibilidades de caixa haviam saltado 90,81%, para R$ 1,419 bilhão, o que representou um acréscimo de R$ 675,354 milhões. Os números do relatório resumido da execução orçamentária municipal mostram, portanto, que os ganhos de caixa responderam por 88,2% da redução anotada pelo saldo da dívida líquida.
• Como parece nítido, aquele incremento foi suficiente para reverter toda a perda de caixa anteriormente observada. Tanto que, em 12 meses, quer dizer, na comparação com junho do ano passado, os recursos disponíveis em caixa registraram elevação correspondente a R$ 321,890 milhões, num avanço de 29,34%.
• Os dados oficiais, mais uma vez, não parecem referendar o diagnóstico oficial e, portanto, não sugerem um cenário calamitoso sob o ponto de vista do endividamento e do resultado primário.
• Com menos destaque, a Assembleia prorrogou igualmente o estado de calamidade no setor de saúde, provavelmente considerando o quadro do aumento no total de casos de complicações pulmonares graves, a oferta limitada de leitos para tratamento intensivo e os atrasos frequentes no pagamento a organizações sociais que prestam serviços nesta área. O que não parece fazer sentido, diante da evolução dos gastos com ações e serviços públicos de saúde no primeiro semestre deste ano.
• Nos primeiros seis meses do ano passado, aquelas despesas haviam somado R$ 706,251 milhões, correspondendo a 25,26% das receitas líquidas consideradas para o cálculo dos limites a serem destinados ao setor, muito acima dos 15% estabelecidos pela legislação. As despesas nesta área continuaram acima daquele piso neste primeiro semestre, mas em nível comparativamente inferior, chegando a 20,59%. Em valores nominais, o gasto com saúde sofreu baixa de 9,48%, para R$ 639,263 milhões, num corte de R$ 66,988 milhões.
• A tesoura do gestor municipal atingiu também o setor de educação. As despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, que devem seguir o piso de 25% das receitas de impostos, já haviam ficado abaixo daquele limite em 2024, chegando a 23,44% ao alcançar R$ 655,298 milhões no consolidado entre janeiro e junho. Neste ano, também no primeiro semestre, os gastos com ensino sofreram corte de 14,08%, baixando para R$ 563,023 milhões, ou seja, em torno de R$ 92,275 milhões a menos.