Dividendos recebidos pelo Tesouro saltam quase 180%

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de agosto de 2022

As receitas com dividendos e participações destinadas à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) pelas empresas controladas pela própria União experimentaram um salto real, já descontada a inflação, de quase 180% no primeiro semestre deste ano frente aos seis primeiros meses do ano passado. Em valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), esse tipo de receita saltou de R$ 16,157 bilhões para quase R$ 45,202 bilhões na comparação entre aqueles dois períodos, numa elevação, mais precisamente, de 179,76%, o que significou uma receita adicional de R$ 29,044 bilhões. A contrapartida desse aumento dos dividendos tem sido o enxugamento das estatais, com o investimento das maiores empresas públicas em queda vertical, e o desmantelamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O aumento exponencial no pagamento de dividendos correspondeu a uma contribuição pouco superior a 23% para o crescimento das receitas líquidas do Tesouro ao longo do semestre encerrado em junho. Nos seis meses iniciais deste ano, a receita líquida somou R$ 959,355 bilhões, frente a R$ 833,179 bilhões em igual semestre do ano passado, num incremento de 15,14%. Houve, portanto, uma variação equivalente a R$ 126,176 bilhões. As receitas não administradas pela Receita Federal do Brasil (RFB) representaram a maior contribuição e, em grande medida, por conta de ganhos não recorrentes, ou seja, que não tendem a se repetir no futuro, o que torna temporário o avanço registrado agora.

Esse tipo de receita experimentou alta de 55,2% entre o primeiro semestre de 2021 e igual período deste ano, saindo de R$ 138,086 bilhões para R$ 214,292 bilhões, num ganho de R$ 76,206 bilhões, o que significa dizer que pouco mais de 60% do crescimento das receitas teve origem em fatores que não deverão se repetir nos próximos anos. Quase 90% do aumento das receitas não administradas vieram da venda de concessões e dos dividendos, indicando que a equipe econômica tem vendido os móveis da sala para cobrir despesas correntes, numa estratégia de alto risco sob o ponto de vista da higidez fiscal tão defendida por Paulo Guedes e seus asseclas.

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Pressão e desmonte

Entre os dividendos recolhidos ao Tesouro, as maiores contribuições saíram da Petrobrás e do BNDES. No caso da petroleira, o repasse de dividendos saltou mais de cinco vezes entre o primeiro semestre de 2021 e igual período deste ano. Na primeira metade do ano passado, a Petrobrás havia distribuído à União, sua acionista, algo como R$ 3,363 bilhões em dividendos, valor que atingiu nada menos do que R$ 18,133 bilhões nos seis primeiros meses deste ano, ou seja, R$ 14,771 bilhões a mais. Esses valores tendem a crescer ainda fortemente neste segundo semestre diante da decisão da equipe econômica de exigir um aumento ainda maior na distribuição dos lucros da Petrobrás, num processo que tem beneficiado, em escala ainda maior, acionistas estrangeiros da estatal.

Balanço

  • Conforme anunciado pela empresa, a Petrobrás distribuirá até o final deste ano R$ 87,8 bilhões, um valor recorde na sua história, dos quais R$ 35,5 bilhões ou 40,4% do total serão destinados a acionistas estrangeiros. O governo brasileiro levará “apenas” R$ 32,5 bilhões daquele valor, numa participação de 37,0% sobre o total, muito embora seja o acionista controlador da petroleira.
  • Na contabilidade da STN, o BNDES entregou ao Tesouro ao redor de R$ 18,879 bilhões entre janeiro e junho deste ano, o que se compara com o pagamento de R$ 5,567 bilhões em dividendos na primeira metade do ano passado. Os valores foram triplicados no caso do banco de fomento, num avanço de 239,13% (ou R$ 13,312 bilhões a mais). O banco deverá engrossar esses valores, a “pedido” da equipe econômica, que pretende cobrir, com as receitas dos dividendos, as despesas extraordinárias contratadas para financiar o projeto político do desgoverno em Brasília, com a tal “PEC da reeleição”.
  • O crescimento das receitas no primeiro semestre superou largamente a variação das despesas, que passaram de R$ 891,866 bilhões para R$ 902,845 bilhões, numa variação real de apenas 1,23% (R$ 10,979 bilhões a mais). Essa variação apenas modesta e que praticamente repõe a inflação do período veio acompanhada de queda nos gastos com a folha de pessoal e cortes vigorosos nos recursos anteriormente alocados para o combate à Covid-19.
  • A despesa com servidores saiu de R$ 179,287 bilhões para pouco menos de R$ 157,477 bilhões, numa redução de 12,13%, representando um corte de R$ 21,810 bilhões. Os chamados créditos extraordinários, na maior parte abertos para cobrir gastos adicionais gerados pelo combate à pandemia, despencaram 73,28% em termos reais, encolhendo de R$ 54,961 bilhões para R$ 14,684 bilhões, quer dizer, alguma coisa como R$ 40,277 bilhões a menos.
  • Os investimentos ensaiaram alguma variação, embora tenham se mantido em níveis historicamente muito reduzidos. Na primeira metade deste ano, o governo federal investiu R$ 19,651 bilhões frente a R$ 19,073 bilhões em igual semestre do ano passado, numa variação de 3,03%.
  • Entre janeiro e maio, dado mais recente divulgado pela STN e pelo Banco Central (BC), os juros nominais à conta do Tesouro somaram R$ 160,492 bilhões, ou seja, praticamente 8,17 vezes mais tudo o que foi investido em seis meses. Comparados ao valor acumulado nos primeiros cinco meses de 2021, o gasto com juros aumentou 16,88% em valores reais, saindo de quase R$ 137,320 bilhões. Para se ter uma ideia, com a alta das taxas básicas, os juros sobre a dívida do Tesouro já consumiram em cinco meses deste ano mais do que toda a despesa registrada nos seis meses iniciais de 2021, perto de R$ 144,247 bilhões.