Coluna

E o “melhor Natal da década” foi ralo abaixo. Vendas até caíram em dezembro

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 13 de fevereiro de 2020

Para
quem acreditou na cantilena repisada dias, semanas a fio pelos “homens da
bufunfa” (na definição aguda do economista Paulo Nogueira Batista Júnior),
referendada acriticamente por certa imprensa, os resultados apresentados pela
indústria e pelo comércio no final de 2019 surgem decepcionantes. Afinal de
contas, este deveria ter sido um dos melhores, senão o melhor Natal da década
(saiu nas manchetes, lembram-se raros leitores e raras leitoras?). O dado
final, ainda sujeito a revisões de praxe, mostra que as vendas chegaram a
recuar em Goiás e no restante do País, consolidando uma tendência observada
ainda antes da recessão de 2015/2016.

No
assim chamado “varejo restrito”, que engloba lojas tipicamente varejistas, o
volume das vendas tem experimentado queda desde 2014 quando se compara dezembro
com novembro. Nos 10 anos anteriores, em maior ou menor intensidade, as vendas
haviam registrado crescimento naquela mesma comparação, ano após ano. Tendência
semelhante surge na análise dos números do tal “varejo ampliado” (que inclui,
além das lojas de departamento, supermercados e mercadinhos em geral, as
concessionárias de veículos e motos, revendas de autopeças e de materiais de
construção). Neste caso, os números foram negativos entre 2013 e 2015, ficaram positivos
em 2016 e 2017, e retomaram as quedas nos dois anos seguintes. Da mesma forma,
o volume vendido no “varejo ampliado” havia apresentado
crescimento em dezembro (frente a novembro) entre 2003 e 2012.

No
ano passado, o volume vendido pelo varejo restrito e pelo ampliado recuou 0,1%
e 0,8% na passagem de novembro para dezembro em todo o País. Na comparação com
dezembro de 2018, houve incremento de 2,6% no primeiro caso e de 4,1% no
segundo, lembrando que o mês final de 2019 registrou 21 dias úteis diante de 20
dias em dezembro do ano anterior. Mesmo neste caso, as vendas do varejo
restrito mostram certa perda de ímpeto, porque haviam crescido 4,3% em outubro
de 3,1% em novembro (na comparação com idênticos períodos de 2018).

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Fôlego curto

Os
números parecem mostrar, ainda, que a liberação de recursos do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) teve impacto passageiro e limitado sobre a
demanda, como já se supunha. Gasto o dinheiro, a renda firme das famílias,
aquela recebida regularmente, mês após mês, não parece ainda demonstrar força
suficiente para sustentar voos mais altos do consumo. Com três fatores que
continuam funcionando como freio às decisões de compra dos consumidores: o
desemprego ainda elevado, a alta informalidade (que amplia a insegurança) e o
endividamento das famílias, que voltou a crescer nos meses finais de 2019.

Balanço

·  
Mas
há sempre a possibilidade de tentar olhar para o lado mais positivo das coisas.
As vendas em dezembro podem ter sido mais fracas do que em novembro (o que
sugere que o consumidor tem aproveitado a temporada da Black Friday para
antecipar compras que, de outra forma, apenas seriam realizadas em dezembro).
Mas houve crescimento em relação ao último mês de 2018.

·  
É
verdade. Conforme já mencionado, as vendas avançaram naquela comparação, mas
num ritmo muito distante do que se poderia classificar como “o melhor Natal da
década”. No varejo restrito, por exemplo, houve aumento de 2,6% em dezembro de
2019, mas no mesmo mês de 2017 o crescimento atingiu 4,0% frente a dezembro de
2016.

·  
No
varejo ampliado, a variação de 4,1% registrada em dezembro passado pode ser
qualificada como bastante modesta quando comparada à taxa de 6,9% verificada em
dezembro de 2017.

·  
Conforme
observam os economistas Luka Barbosa e Matheus Felipe Fuck, da equipe de
macroeconomia do Itaú Unibanco, em relatório divulgado ontem, os resultados do
comércio vieram mais fracos do que o esperado pela instituição e pelo restante
do mercado. O banco esperava crescimento nulo em dezembro (na comparação com
novembro) e, na média dos mercados, as apostas concentravam-se numa variação
positiva de 0,2%.

·  
Para
o varejo ampliado, o mercado e o Itaú esperavam, respectivamente, baixas de
0,4% e de 0,5% entre novembro e dezembro (e ela veio mais intensa, como visto,
com o recuo de 0,8%).

·  
Nos
12 meses de 2019, o crescimento foi menos intenso do que no ano anterior, com
as vendas avançando 1,8% no varejo restrito (2,3% em 2018) e 3,9% no ampliado
(5,0% no ano imediatamente anterior). Em Goiás, o crescimento no ano passado
ficou limitado a 3,3% nas lojas do varejo mais amplo e a 0,5% no varejo
restrito.

·  
Detalhe:
no varejo ampliado, o crescimento acumulado em 12 meses havia alcançado 4,2% em
outubro. O resultado final, portanto, mostra nítida desaceleração, o que
tenderá a puxar para baixo os resultados do primeiro trimestre de 2020.

·  
Mais
preocupante, as vendas em hiper e supermercados, sem considerar cigarros e
bebidas, caíram 3,4% no Estado em 2019 e fecharam com avanço modestíssimo de
0,6% no restante do País.

·  
“Acreditamos
que o consumo seguirá em crescimento moderado ao longo de 2020, estimulado
principalmente pelo crédito. No entanto, o consumo deve perder força no
primeiro trimestre de 2020 tendo em vista o carrego estatístico negativo das
vendas no varejo e o fim do efeito positivo no consumo advindo dos saques do
FGTS”, escrevem os economistas do Itaú.