Coluna

Economia sofre retrocesso de pouco mais de uma década em um trimestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de setembro de 2020

Numa
simetria lógica, a “gripezinha” deveria produzir uma “crisezinha”, sem maiores
consequências para a saúde de toda a população e para a saúde da economia em
seu conjunto. Se os dados do novo coronavírus desmoralizaram os prognósticos de
Brasília, os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
saídos ontem do forno, tornaram bem mais distante as expectativas de uma
retração ligeira seguida de um crescimento vigoroso, como sugerem os devaneios
do superministro da Economia e de alguns setores do mercado.

A
economia não se limitou a apresentar taxas recordes de queda no segundo
trimestre deste ano, mas destroçou outro “mito” maquinado pela equipe
econômica. Segundo essa maquinação, produzida nos laboratórios do Ministério da
Economia, a atividade econômica seguia para apresentar “forte recuperação”
neste ano, tendência bruscamente interrompida pela pandemia. Os dados do IBGE
mostram que se tratava de outro delírio. A redução do Produto Interno Bruto
(PIB) no primeiro trimestre, antecipada inicialmente na faixa de 1,5% na
comparação com os últimos três meses de 2019, transformou-se numa queda de
2,5%.

Deve-se
recordar que as medidas de distanciamento social, que decretaram uma parada
repentina em quase todos os setores da economia, somente começaram a ser praticadas
de fato a partir da segunda quinzena de março, o que apenas indica que a
atividade já vinha fraquejando desde antes. Na análise da equipe de economistas
do Banco Fator, a revisão operada pelo IBGE no primeiro trimestre “reforça a
leitura sobre a fragilidade da recuperação pré-pandemia”, considerando
precisamente que os efeitos do distanciamento social começaram a ser percebidos
apenas em março.

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O pior tombo

No
segundo trimestre, o PIB desabou 9,7% em relação aos três meses iniciais deste
ano, caindo 11,4% em relação ao segundo trimestre de 2019. Foi o pior tombo
registrado em toda a série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Os mercados
esperavam uma retração discretamente menos acentuada, algo na faixa de 9,2% na
comparação entre os dois primeiros trimestres deste ano. Já excluídos fatores
sazonais, que podem interferir na comparação mensal e distorcer tendências, a
economia brasileira retrocedeu a níveis observados apenas em 2009. Entre o
terceiro trimestre daquele ano e o segundo deste ano, numa diferença de quase
11 anos entre ambos períodos, a economia praticamente não avançou, registrando
uma variação levemente inferior a 0,3%. Na comparação com seu melhor momento,
alcançado no primeiro trimestre de 2014, antes da recessão que derrubaria o PIB
nos dois anos seguintes, a economia sofreu perda de 15,1%. Apenas para repor
todo o terreno perdido, seria necessário um salto de 17,8%. Recuperando a
trajetória recente, o PIB trimestral baixou 8,1% entre o primeiro trimestre de
2014 e o final de 2016, avançou 4,9% entre o quarto trimestre de 2016 e o mesmo
período de 2019 e despencou 11,9% desde o final do ano passado até o segundo
trimestre deste ano, agora sob influência da crise sanitária.

Balanço

·  
Embora
as perdas tenham se distribuído entre quase todos os setores, os segmentos mais
afetados foram, no lado da oferta, a indústria de transformação e, pela
demanda, o consumo das famílias e os investimentos. Neste último caso, a
retração de 15,4% em relação ao primeiro trimestre deste ano e de 15,2% frente
ao segundo trimestre do ano passado, derrubaram o investimento ao menor nível
em 14 anos.

·  
Na
comparação com o segundo trimestre de 2013, quando atingiu o pico na série
histórica do PIB, respondendo por 21,1% do PIB, o investimento encolheu 37,3%.
Apenas para voltar aos níveis daquele trimestre, seria necessário operar um
salto de 59,5%. Para comparação ainda, o investimento no segundo trimestre
deste ano correspondeu a pouco menos de 15,0% do PIB, numa queda de pouco mais
de seis pontos nessa quase década e meia.

·  
A
queda do investimento, anota o Fator em seu relatório aos clientes, pode ser
“explicada tanto pela interrupção dos fluxos (econômicos) pelo distanciamento
social, quanto pelo seu efeito sobre as expectativas de quem decide investir ou
não”. O banco considera que o segundo efeito mencionado em sua análise tenderá
a se manter no segundo semestre deste ano, diante da perspectiva de que o
consumo se mantenha baixo.

·  
“Nesse
particular, a quase nula participação do investimento público garante que a
manutenção da taxa de investimento em torno de 15,0% do PIB está dada nos
próximos trimestres. O sinal dado pela perspectiva de um orçamento limitado
pelo teto de gastos em 2021 é muito ruim, inclusive do ponto de vista dos
investimentos e da recuperação do emprego”, adverte o banco.

·  
O
consumo das famílias teve sua participação no PIB derrubada de 64,2% no segundo
trimestre de 2019 para 60,7% no mesmo intervalo deste ano, sofrendo perdas de
12,5% em relação ao primeiro trimestre deste ano e de 13,5% em relação ao
segundo trimestre do ano passado, além de retornar a níveis semelhantes àquele
observado no primeiro trimestre de 2010. Numa referência muito negativa, o
consumo das famílias havia acumulado uma redução de 8,3% durante a recessão,
que se alongou durante oito trimestres (menos do que o tombo registrado em
apenas um trimestre neste ano).

·  
O
PIB da indústria de transformação encolheu 17,5% na passagem do primeiro para o
segundo trimestre deste ano e despencou 20,0% frente a igual trimestre de 2019,
chegando ao menor nível de toda a série. Apenas para retomar a produção
realizada no terceiro trimestre de 2008, pico de alta para o setor, a indústria
teria que crescer 46,4%.

·  
Ainda
que os números tendam a sugerir alguma melhora nos próximos meses, considerando
o tamanho do tombo registrado, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi) observa sérias dúvidas em relação ao “perfil da recuperação”.
Segundo o instituto, “enquanto não for desenvolvida e distribuída uma vacina
eficaz contra a Covid-19, dificilmente haverá completa normalização da
atividade econômica, demandando a continuidade de programas de apoio a empresas
e famílias”.