Terça-feira, 19 de março de 2024

Endividamento das famílias alcança novo recorde em julho

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de setembro de 2022

O endividamento total das famílias abriu o terceiro trimestre deste ano em alta, dando prosseguimento às tendências observadas a partir da segunda metade do ano passado, e marcou novo recorde na série histórica do Banco Central (BC). As dívidas totais, neste segmento, considerando todas as formas de crédito, passaram a corresponder a 53,14% da renda bruta disponível das famílias, o mais alto desde que esse tipo de comparação começou a ser feita, no começo de 2005. Para dar uma dimensão do avanço experimentado nas últimas décadas, em janeiro daquele ano, a relação entre dívida e renda havia sido de apenas 16,51%.

No mês imediatamente anterior à chegada do Sars-CoV-2 no Brasil, em fevereiro de 2020, o endividamento correspondia a 41,84% da renda nacional disponível bruta das famílias, nos cálculos do BC. O pagamento do auxílio emergencial, que fez crescer a renda disponível, chegou a reduzir o endividamento para 40,38% em julho de 2020. Mas passou a avançar dali em diante, alcançando 48,05% em julho do ano seguinte e encerrando 2021 em 52,57%.

Os números de agosto sinalizam novo crescimento nessa relação, já que o chamado crédito ampliado concedido às famílias apresentou crescimento levemente mais intenso entre julho e agosto deste ano, saindo de pouco menos do que R$ 3,191 trilhões para alguma coisa acima de R$ 3,254 trilhões, numa variação de 2,0%. Na passagem de junho para julho, a variação havia sido de 1,43%. Os dados sobre a renda disponível, no entanto, são publicados pelo BC com atraso maior e os indicadores já divulgados cobrem o período até julho deste ano, mostrando que não apenas o endividamento aumentou, mas a renda comprometida com o pagamento de juros e amortizações (as prestações sobre a dívida contratada) alcançou igualmente valores históricos em julho passado, num processo agravado pela escalada das taxas de juros.

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Renda comprometida

O serviço da dívida (quer dizer, a soma de juros e amortizações) passou a consumir algo em torno de 28,61% da renda bruta disponível no trimestre móvel encerrado em julho deste ano, segundo os números do BC. Aquele percentual se compara a 25,01% em julho do ano passado e a 27,91% em dezembro do mesmo ano. As tendências seguem aproximadamente o que vem ocorrendo com a evolução da dívida familiar. O comprometimento da renda com o pagamento dessa dívida, que havia atingido 23,66% em fevereiro de 2020, recuou para 21,08% em julho, como reflexo mais uma vez do pagamento do auxílio emergencial numa das fases mais dramáticas da pandemia. Nos níveis atuais, que ainda podem avançar mais nos meses seguintes, a se considerar o comportamento mais recente do crédito ampliado contratado pelas famílias, o comprometimento da renda tende a influir negativamente nas decisões de consumo, já que haverá obviamente menos renda disponível para compras e outros gastos domiciliares.

Balanço

  • Os indicadores de inadimplência, que dizem respeito apenas a empréstimos e financiamento contratados dentro do sistema financeiro, incluindo cheque especial, cartão de crédito, financiamento para compra de bens e veículos, além do crédito consignado, vêm anotando crescimento. No segmento de crédito a taxas livremente impostas pelos bancos, a taxa de inadimplência das pessoas físicas saiu de 4,1% em agosto do ano passado para 5,6% no mesmo mês deste ano (quer dizer, um ponto percentual e meio a mais).
  • Na combinação dos indicadores de comprometimento de renda com os dados sobre a renda disponível a cada trimestre, é possível estimar, ao menos aproximadamente, o valor cobrado das famílias para fazer frente a juros e amortizações. E a evolução tem sido explosiva, como sugerem os dados estimados pela coluna.
  • Em valores atualizados com base na inflação e livres de fatores sazonais, a renda disponível bruta havia alcançado perto de R$ 531,316 bilhões no trimestre encerrado em julho deste ano. Como 28,61% dessa renda foram gastos com juros e amortizações, isso significa que esse tipo de despesa teria exigido o desembolso de R$ 152,010 bilhões em valores aproximados.
  • Em julho do ano passado, com uma renda próxima a R$ 520,188 bilhões e comprometimento de 25,01%, o gasto com juros e amortizações das famílias chegava a R$ 130,099 bilhões. Em 12 meses, portanto, houve um crescimento real de 16,84%. Nitidamente, as despesas com a dívida têm crescido mais fortemente do que a renda. Entre julho do ano passado e o mesmo mês deste ano, a variação da renda disponível foi de apenas 2,14%.
  • Para reforçar o argumento, em dois anos, tomando julho de 2020 como base, a renda disponível sofreu baixo de 5,90% em termos reais e a parcela dessa renda destinada ao pagamento de encargos da dívida familiar, que era de R$ 119,018 bilhões lá atrás, aumentou 27,72%. Seria possível argumentar que o dado da renda pode estar distorcido pelo pagamento do auxílio. Considere-se, então, os dados de fevereiro de 2020, quando a renda havia somado R$ 555,655 bilhões. Como juros e amortizações comprometeram 23,66% daquela renda, esse gasto havia correspondido a R$ 131,468 bilhões. Desde lá, a despesa aumentou 15,54%.
  • O crédito ampliado contratado pelas famílias passou a representar 34,87% do Produto Interno Bruto (PIB) em agosto deste ano, saindo de 32,68% em agosto do ano passado. Em janeiro de 2013, quando a série começou a ser divulgada, essa relação era de apenas 24,42%, atingindo 25,34% em agosto do mesmo ano. Novamente, o endividamento tem crescido em velocidade muito maior do que a capacidade da economia de gerar riquezas e renda. Entre agosto de 2013 e igual período deste ano, enquanto o PIB registrou variação acumulada de 81,40% em valores não corrigidos. Mas o crédito ampliado anotou salto nominal de 149,58%. Nessa toada, a conta tende a não fechar.