Endividamento das famílias bate recorde e atinge 82% da renda

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 22 de fevereiro de 2022

Os efeitos combinados da escalada da inflação sobre a renda e da alta dos juros sobre as dívidas contratadas pelas famílias produziu um salto nos níveis de endividamento do brasileiro ao longo do ano passado, com recorde de baixa numa ponta e recorde de alta na outra. Considerando o saldo do crédito ampliado concedido às famílias, que soma aos empréstimos e financiamentos junto a instituições financeiras e fundos governamentais a outras modalidades de dívida (incluindo crédito tomados lá fora), o endividamento passou a representar 82,02% da massa salarial ampliada disponível em novembro do ano passado – o mais elevado da série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 2013. Em novembro de 2020, essa relação havia sido de 72,29%.

O percentual estimado pela coluna com base em dados do próprio BC supera, mas não é comparável ao indicador tradicionalmente divulgado pela autoridade monetária, que considera os empréstimos tomados pelas famílias dentro do sistema financeiro nacional e a renda bruta disponível acumulada em 12 meses. Neste caso, a taxa de endividamento apurada pelo BC atingiu igualmente níveis históricos, saindo de 42,0% para 51,2% entre outubro de 2020 e o mesmo mês do ano seguinte, o mais alto desde 2005. A parcela da renda das famílias comprometida com o pagamento de juros e prestações de sua dívida financeira foi também recorde, saltando de 23,1% para 27,9% naquele mesmo intervalo, levando em conta, aqui, os valores médios exigidos trimestralmente para pagamento de juros e amortizações e sua relação com a renda bruta disponível média apurada também trimestralmente e dessazonalizada (quer dizer, com exclusão de fatores que se repetem em determinados períodos do ano e que poderiam comprometer a comparação).

Menos renda, menos consumo

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Quaisquer que sejam as medidas escolhidas, o fato é que se pode antecipar para este ano, desde já, efeitos em cascata sobre a economia, limitando a capacidade de recuperação da atividade e impondo novos obstáculos ao crescimento, que já se prenuncia minguado e insuficiente para reduzir de forma mais expressiva os níveis de desemprego. O primeiro e mais notório vem do próprio encolhimento da renda das famílias, em termos reais, o que já representaria um constrangimento para o consumo doméstico de bens e serviços. Esse processo será agravado, daqui em diante, pelo endividamento crescente, que exigirá parcelas maiores da renda das famílias.

Balanço

  • Num momento inicial, as famílias serão forçadas a reduzir gastos e, portanto, o consumo de bens e de serviços para tentar continuar honrando as dívidas contratadas ao longo dos últimos meses para fazer frente a suas necessidades em meio à pandemia. Numa fase seguinte, as taxas de inadimplência tendem a crescer, diante das perspectivas de crescimento medíocre já antecipadas para a economia neste ano.
  • As taxas de inadimplência no sistema financeiro ainda se encontravam muito bem-comportadas no fechamento de 2021, alcançando 3,0% em dezembro, no caso das pessoas físicas, o que se compara com 4,1% em abril de 2020. Nada assegura que esse bom comportamento tenda a perdurar nos meses seguintes.
  • Entre novembro do ano passado e igual mês de 2021, a massa salarial ampliada disponível, que inclui salários, aposentadorias, pensões, pagamentos do programa Bolsa Família e benefícios de prestação continuada, descontados o Imposto de Renda recolhido na fonte e as contribuições para a Previdência, registrou variação nominal de apenas 5,67% diante de uma inflação quase duas vezes mais elevada (10,74% no acumulado em 12 meses até novembro do ano passado).
  • A massa de renda passou de R$ 3,340 trilhões para R$ 3,529 trilhões, recuando de 45,02% para 41,03% do Produto Interno Bruto (PIB) – a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo País. Foi a pior proporção desde que essa estatística começou a ser divulgada, em dezembro de 2004.
  • O crédito ampliado contratado pelas famílias, ao contrário, experimentou salto de 19,88% entre novembro de 2020 e o mesmo período do ano seguinte, avançando de R$ 2,414 trilhões para R$ 2,894 trilhões e saindo de 32,6% para 33,7% do PIB.
  • Na comparação com fevereiro de 2020, quer dizer, antes da pandemia, enquanto a dívida saltou 29,24% em termos nominais, subindo de R$ 2,240 trilhões, em valores arredondados, para R$ 2,894 trilhões, a massa salarial disponível apresentou variação de 1,96%, saindo de R$ 3,461 trilhões para aqueles R$ 3,529 trilhões já anotados. Até ali, a relação entre dívida e massa de rendimentos era de 64,70%.
  • Mas havia sido bem mais baixa em períodos anteriores. A relação mais confortável foi anotada em setembro de 2017, quando o saldo do crédito ampliado correspondia a 59,2% da massa ampliada de rendimentos. Desde lá, enquanto a massa salarial ampliada cresceu 16,65%, a dívida em seu conceito mais amplo saltou 61,64%. Descontada a inflação, a renda encolheu 2,43% e a dívida aumentou 29,11%.