Entrada de dólares da especulação registra salto de 246% em julho

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de agosto de 2021

A extrema facilidade para movimentar recursos em dólares na economia brasileira, assegurada pela abertura a conta de capitais desde a segunda metade dos anos 1990, tem sido um fator preponderante na produção de turbulências e crises ao longo das últimas décadas. A partir de 2005, quando as reservas internacionais entraram em crescimento vigoroso, reforçado nos anos seguintes pelo boom das commodities e consequente avanço dos saldos comerciais do País (exportações menos importações), o potencial para a geração de crises na economia da liberdade de movimentação de dólares foi amortecido, perdendo intensidade. Mas isso não significa que todos os riscos foram eliminados pela posição elevada das reservas do Brasil em moedas fortes, algo em torno de US$ 355,7 bilhões em julho deste ano.

A entrada e a saída de dólares na conta financeira do balanço de pagamentos (que resume todas as transações realizadas no exterior pelo País, suas empresas e pessoas físicas endinheiradas) ainda exercem grande influência para determinar tendências no mercado do dólar, especialmente quando se considera a extrema liquidez (grande oferta de moeda) em todo o mundo desde a crise financeira de 2008/2009. Diante da evolução recente das exportações, da retração observada na conta de serviços e da queda nas remessas de lucros e dividendos, as contas externas do País têm apresentado desempenho favorável (e especialmente ao longo da pandemia, até pelas mudanças operadas na economia mundial e aqui dentro, que paralisação virtual de viagens, queda de lucros e alta das commodities, a exemplo do petróleo, do minério de ferro e dos principais produtos agrícolas).

Lucro fácil e rápido

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O setor externo, portanto, não parece ser um ponto de preocupação. Ao menos a economia brasileira não tem sofrido até aqui ameaças relevantes na área externa, mas não está inteiramente livre de crises. A movimentação de dólares pela especulação global ainda tem poder sim para causar problemas aqui dentro, causando disparadas do dólar e inflação, o que obrigaria o Banco Central (BC) a elevar os juros, agravando a debilidade da atividade econômica. E a entrada dos chamados “dólares andorinha”, que buscam oportunidades de ganhos rápidos e fáceis ao redor do mundo, tem crescido neste ano. Apenas em julho, estrangeiros investiram aqui dentro pouco mais de US$ 1,911 bilhão em títulos de dívida emitidos por empresas e pelo governo, o que se compara com US$ 552,562 milhões no mesmo mês do ano passado, num salto de 245,92%.

Balanço

  • Na contramão, os investidores em ações e fundos, que haviam colocado aqui dentro US$ 332,862 milhões em julho do ano passado, fizeram retiradas de US$ 728,429 milhões no mesmo mês deste ano. No total, os investimentos em carteira (ou seja, em aplicações nos mercados financeiro e de capitais, envolvendo títulos públicos e privados, ações e outros papéis) cresceram 33,6% em julho de 2021, saindo de US$ 885,424 milhões para US$ 1,183 bilhão.
  • Nos sete primeiros meses deste ano, esse tipo de investimento atingiu US$ 22,767 bilhões. Em igual período do ano passado, esses investidores retiraram do País em torno de US$ 30,626 bilhões. Em outros termos, a conta registrou uma “virada” de US$ 53,393 bilhões, com destaque para as aplicações em títulos de dívida. Esses papéis atraíram US$ 14,007 bilhões entre janeiro e julho deste ano, também revertendo a saída de US$ 10,840 bilhões registrada nos sete primeiros meses do ano passado (quer dizer, houve uma reviravolta de quase US$ 24,847 bilhões.
  • No caso das ações e dos fundos de investimento, que haviam registrado a perda de US$ 19,786 bilhões nos mesmos sete meses de 2020, passaram a acumular uma entrada líquida de US$ 8,761 bilhões (descontados os dólares remetidos para fora do País nesta mesma área). A “virada” aqui atingiu US$ 28,547 bilhões.
  • O volume de recursos movimentados nesses mercados mostra o potencial para a geração de instabilidades no câmbio, com reflexos por todo o restante da economia. Em nome de uma falaciosa política liberalizante, o BC tem permitido que essas movimentações, não raro estimuladas por jogadas especulativas que buscam lucrar com as diferenças entre os juros locais e externos, ocorram livremente, a despeito dos riscos envolvidos.
  • As planilhas do BC com os dados das contas externas, divulgadas na quarta-feira, 25, mostram crescimento para os investimentos estrangeiros diretos – pretensamente destinados à modernização ou à expansão da capacidade de produção doméstica. Entre janeiro e julho do ano passado, o investimento havia alcançado US$28,958 bilhões e subiu para US$ 31,795 bilhões no mesmo período deste ano, em alta de 9,8% (ou seja, US$ 2,837 bilhões a mais).
  • O resultado foi puxado pelo avanço de 29,85% no investimento em participação (quando uma empresa compra ações de outra, por exemplo), que saltou de US$ 20,897 bilhões para US$ 27,135 bilhões. Dentro dessa modalidade, a principal contribuição veio do comportamento dos lucros obtidos aqui dentro por multinacionais e reinvestidos em seus negócios no País ou na compra de outras empresas. Essa modalidade saltou 83,1% no acumulado entre janeiro e julho deste ano frente ao mesmo intervalo de 2020, crescendo de US$ 5,916 bilhões para US$ 10,825 bilhões (quer dizer, US$ 4,919 bilhões a mais, o que representou 78,9% do aumento registrado pelo investimento total em participação).