Escalada da inflação vai derrubar salários e comprometer a economia

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 11 de novembro de 2021

A se confirmarem as apostas mais recentes do mercado financeiro, que espera taxas de inflação de 0,60% em novembro e de 0,66% em dezembro, e mantido o cenário observado até aqui, com desaceleração na velocidade de alta das tarifas de energia, a inflação de 2021 tende a se aproximar dos dois dígitos. Pouco mais da metade da taxa geral de variação dos preços deverá ser explicada pelos aumentos da gasolina, do etanol do óleo diesel, do gás de botijão, sob impacto da política de preços adotada desde 2016 pela Petrobrás e da desvalorização do real, epelo salto nas tarifas de energia, influenciado pela crise hídrica.

O relatório Focus, por meio do qual o Banco Central (BC) apura as projeções do setor financeiro (e calibra a política de juros), ainda estimava, na sua edição mais recente, divulgada na segunda-feira, dia 8, uma inflação de 9,33% para este ano. O Itaú BBA calibrou sua previsão para 10,1%. Mas, considerando-se que a inflação acumulada nos 12 meses encerrados em outubro atingiu 10,67%, na melhor das hipóteses a taxa de todo o ano deverá ser apenas levemente mais baixa do que aquele índice, subindo para perto de 10,4% frente a 4,52% em 2020, quer dizer, mais de duas vezes maior.

Não se trata de mero detalhe. Mesmo que as diferenças fiquem para o “depois da vírgula” no fechamento do ano, o relevante é que os preços atingiram novo ritmo desde o quarto trimestre do ano passado e não se acomodaram ao longo da segunda metade deste ano, como se esperava – em grande parte por conta da tendência persistente de alta das commodities nos mercados internacionais, com destaque para o petróleo e seus derivados, com repasses quase imediatos dessas altas, no caso dos combustíveis, para os preços domésticos, e ainda pelas turbulências produzidas em série pelo desgoverno em Brasília, que levaram a fortes oscilações nas cotações do dólar.

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Arrocho inflacionário

A inflação nitidamente tem subido muito mais do que os salários, achatando o poder de compra das famílias, especialmente daquelas de renda mais baixa, até porque, os custos da alimentação no domicílio dispararam nos últimos 12 meses, acumulando alta de 13,95% até outubro, como mostra o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os resultados dessa corrosão dos salários sobre a capacidade de consumo das famílias vão trazer para baixo as vendas, como já vem ocorrendo principalmente nos supermercados, causando novas perdas para a produção industrial e determinando uma piora para a economia como um todo. O cenário complica-se ainda mais em função das escolhas de política econômica feitas pelo BC para tentar segurar os preços. A alta dos juros básicos, que devem chegar a 9,25% até dezembro, como já antecipado pelo Comitê de Política Monetária (Copom), vai atuar na mesma direção, deprimindo a atividade econômica ao encarecer os custos do crédito, minando o que poderia ser uma alternativa para as famílias, pelo menos para aqueles ainda em condições de se endividar, para dar alguma sustentação ao consumo geral.

Balanço

  • A inflação de outubro veio novamente acima do que os mercados esperavam, algo em torno de 1,06% na mediana das apostas do setor, atingindo 1,25% (a maior variação desde outubro de 2002). Olhando apenas o curto prazo, a taxa veio se acelerando desde a primeira quinzena de setembro. O IPCA saiu de 0,87% nos 30 dias de agosto para 1,14% nas quatro semanas terminadas em 15 de setembro, alcançando 1,16% no fechamento daquele mês. A quadrissemana (conjunto de quatro semanas) finalizada em 15 de outubro havia registrado inflação de 1,20%.
  • A alimentação respondeu por pouco mais de 23,0% da taxa inflacionária de outubro, subindo 1,17%. O peso, neste caso, cresce em proporção inversa ao tamanho da renda – quanto mais baixa, maior o custo proporcional dos alimentos e seu peso sobre o orçamento familiar, reduzindo sua capacidade de consumir outros bens.
  • Os aumentos da energia, gasolina, etanol, diesel, gás de botijão, móveis, eletrodomésticos, carro novo, passagens aéreas e transporte por aplicativo explicam praticamente 49,0% do índice de outubro. Portanto, em conjunto, aqueles dez itens e a alimentação mais cara responderam por praticamente 72% do IPCA do mês passado.
  • O setor financeiro estima que o IPCA de novembro tende a recuar para 0,60%, chegando a 0,66% em dezembro. As projeções do Itaú BBA consideram taxas de 1,0% neste mês e de 0,74% no último mês do ano. A desaceleração pode não significar um alívio de fato se for considerado que os preços deverão manter-se em níveis ainda muito altos, lembrando que a inflação “mede” a variação dos preços (e não o seu nível).
  • No caso das tarifas de energia, que haviam subido 6,47% em setembro, pressionadas pela bandeira de escassez hídrica (R$14,20 a cada 100 quilowatts/hora), passaram a variar 3,91% no período de 30 dias encerrados em 15 de outubro, com a variação limitando-se a 1,16% nas quatro semanas do mês passado, significando forte desaceleração nas duas últimas semanas de outubro. Claramente, esse comportamento traz algum alívio nas pressões inflacionárias, mas nenhum atenuante para a renda das famílias, que continuarão pagando caro pela energia até que os preços comecem de fato a recuar (ou que os salários tenham seu valor recomposto, cobrindo as perdas realizadas até aqui, o que parece pouco provável diante do cenário no mercado de trabalho, com número muito alto de desempregados e de empregos informais).
  • O chamado “índice de difusão”, que afere o percentual de produtos e/ou itens em alta em relação ao total de produtos/itens acompanhados pelo IBGE, avançou de 65,0% em setembro para 66,8% em outubro, mas havia sido de 71,9% em agosto. Analisado de forma isolada, o indicador parece não dizer muito sobre o ritmo geral dos preços. Num exemplo, embora o índice tenha sido maior em agosto deste ano e mesmo em outubro do ano passado (68,2%), o IPCA ficou mais baixo do que em outubro deste ano, girando entre 0,86% e 0,87%. Nitidamente, as altas no mês passado foram mais intensas para um número proporcionalmente menor de produtos, com peso maior sobre os orçamentos familiares, base para o cálculo de qualquer índice de inflação.