Especulação com títulos brasileiros quase triplica no terceiro trimestre

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de outubro de 2021
Atracação de navios no Caís do Porto do Rio de Janeiro, guindaste, container.

As reservas consolidadas a partir da primeira década dos anos 2000 e o avanço experimentado pelo superávit comercial (exportações menos importações) continuam a assegurar certa tranquilidade na área externa, num cenário praticamente oposto àquele verificado ao longo dos anos 1980 e 1990, quando as crises enfrentadas pela economia brasileira foram detonadas ou agravadas por falta de dólares. Permanece, na área externa, de qualquer forma, um foco de crises potenciais, concentrado na extrema facilidade para movimentar recursos em dólares na economia brasileira, assegurada pela abertura a conta de capitais há quase três décadas, incluindo dólares do grande capital especulativo.

A retomada da política de elevação dos juros tem contribuído para atrair esse tipo de investimento extremamente volátil, levando, por exemplo, a um crescimento expressivo das aplicações em títulos emitidos pelo governo, por bancos e empresas. As estatísticas do Banco Central (BC) sobre o setor externo mostram um forte crescimento das aplicações naqueles títulos no terceiro trimestre deste ano. Entre julho e setembro, foi registrada a entrada de US$ 6,708 bilhões, alocados integralmente em títulos de dívida (públicos e privados), o que representou um salto de 194,1% frente aos US$ 2,281 bilhões aplicados nesse mesmo mercado.

A compra direta títulos por estrangeiros aqui dentro chegou a sofrer baixa de 17,23% em relação ao terceiro trimestre do ano passado, saindo de US$ 4,777 bilhões para US$ 3,954 bilhões em valores aproximados. Mas a queda foi compensada com sobras pela captação de US$ 2,754 bilhões com a colocação de títulos de dívida no mercado internacional, o que se compara com um “desinvestimento” de US$ 2,496 bilhões entre julho e setembro de 2020.

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Troca de sinais

No acumulado dos nove primeiros meses do ano, os sinais igualmente foram trocados, com a entrada líquida de US$ 15,896 bilhões para aplicações em títulos de dívida. No ano passado, até setembro, o BC havia registrado a saída de US$ 6,306 bilhões. A virada ocorreu predominantemente por conta das operações realizadas no mercado doméstico. Entre janeiro e setembro do ano passado, estrangeiros haviam vendido US$ 6,615 bilhões em títulos, retirando esses dólares do Brasil. Neste ano, o mercado recebeu uma injeção de US$ 16,049 bilhões.

Balanço

  • As turbulências produzidas em série pelo desgoverno de Brasília, de uma forma ou de outra, trouxeram consequências para os mercados de ações e, em menor proporção, para a indústria de fundos de investimento – que ainda assim nada tem a reclamar (ao contrário, o setor tem batido recordes neste ano, enquanto a população mais vulnerável se aperta em filas para conseguir ossos ou na disputa por doações das centrais estaduais de distribuição de hortifrutigranjeiros).
  • O mercado de ações anotou a fuga de praticamente US$ 3,722 bilhões no terceiro trimestre deste ano, o que se compara com a entrada de US$ 719,225 milhões em igual período de 2020. No caso dos fundos, o setor já havia anotado perda de US$ 1,063 bilhão em aplicações financeiras de estrangeiros no ano passado, novamente entre julho e setembro, e anotou a saída de US$ 15,316 milhões no mesmo intervalo deste ano.
  • De qualquer maneira, a indústria de fundos tem apresentado avanço vigoroso em tempos de pandemia, com recordes no total de contas de investidores e na captação de novas aplicações. O patrimônio líquido do setor experimentou acréscimo de R$ 1,012 trilhão entre setembro de 2020 e o mesmo mês deste ano. Isso correspondeu a um crescimento de 17,37%, com o patrimônio total subindo de R$ 5,826 trilhões para R$ 6,839 trilhões. Desde fevereiro de 2020, o aumento chegou a 23,45% em valores nominais, considerando o patrimônio de R$ 5,539 trilhões acumulado naquele mês.
  • O patrimônio líquido dos fundos que operam investimentos no exterior disparou desde fevereiro do ano passado, saltando de R$ 44,122 bilhões para R$ 67,747 bilhões em setembro deste ano, correspondendo a um incremento de 53,54%. O investimento offshore, quer dizer, em contas secretas abertas em paraísos fiscais, avançou 16,4% naquele mesmo intervalo, avançando de R$ 51,576 bilhões para R$ 60,047 bilhões.
  • A captação líquida, correspondendo à entrada de novos recursos nos fundos de investimento, atingiu níveis históricos igualmente, acumulando R$ 390,560 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, frente a R$ 212,507 bilhões nos mesmos nove meses de 2020, significando um aumento de 83,79%. Foram abertas quase 6,918 milhões de contas novas entre fevereiro do ano passado e setembro deste ano, com o setor passando a somar 29,638 milhões de contas (isso não significa que existam quase 30,0 milhões de investidores, já que um mesmo investidor pode ter várias contas dentro do sistema).
  • De volta ao setor externo, a conta de transações correntes, que resume as relações do País com o restante do mundo, apresentou déficit de US$ 8,082 bilhões entre janeiro e setembro deste ano, em queda de 39,3% frente ao rombo de US$ 13,303 bilhões em igual período de 2020. A redução pode ser explicada quase integralmente pela alta de quase 20,0% no superávit da balança comercial de bens, que avançou de US$ 28,940 bilhões para US$ 34,716 bilhões neste ano. Mas, em setembro, o déficit em transações correntes saltou 391,1% já que havia sido muito baixo no mesmo mês do ano passado (US$ 345,933 milhões lá atrás e US$ 1,699 bilhão neste ano).