Ex-ministro de Lula abre o jogo em livro surpreendente
Edison Lobão, na vida privada, é discretíssimo. Porém, nas suas temporadas no Congresso Nacional e na Esplanada dos Ministérios, participou de momentos retumbantes da República, elogiado pelo cabelo cor de caju e, muito mais, pelo que há sob eles, um cérebro capaz de tornar brilhante o sujeito que o carrega. Em “Memórias e testemunhos – Revelações Políticas” (G. Ermakoff Casa Editorial), lançado recentemente, fica-se sabendo de quase tudo de alguém que foi tudo: jornalista dos dois maiores impérios da comunicação nacional, em todos os tempos, cada qual a seu tempo, o Grupo Globo e os Diários Associados), governador do Maranhão, deputado, senador, nos dois lados da polarizada política nacional, a esquerda (os mandatos petistas) e o que se rebatizou de extrema direita (os militares).
São atrações do livro, além de fotos históricas, a ótima escrita e a riqueza de fontes dos tempos de repórter do Correio Braziliense, com a coluna espalhada pelo país no melhor estilo do nosso Leandro Mazzini (“Esplanada”, diariamente em O HOJE, está nos quatro cantos do Brasil). O faro do profissional de imprensa ficou represado nas décadas ausente da imprensa, mas Lobão o manteve. Apurava os fatos até quando era personagem e os guardava na prodigiosa mente. Agora, brinda os leitores com relatos de façanhas próprias e de autoridades que fizeram história – ele, inclusive.
Na obra estão os relatos de reuniões de que nós, meros mortais, só saberíamos se estivéssemos ali, à frente de Juscelino Kubitschek, o Papa João Paulo II, a presidente Cristina Kirchner (Argentina) e ao menos meia dúzia de seus colegas brasileiros. Mesmo evitando spoilers, revele-se ao menos uma proeza prosaica: são de Lobão as costas em que Lula aplica as mãos sujas de óleo na imagem mais famosa dos governos do PT – partido, aliás, de Lula e Dilma Rousseff, aos quais o autor serviu como ministro de Minas e Energia (foi em sua gestão que o pré-sal saiu dos dinossauros para a superfície). Também levou eletricidade a milhares de moradores da zona rural.
Já na contracapa se lê: “Tudo que é contado aqui foi testemunhado pelo autor ou a ele chegou por fontes confiáveis”. Nem duvide, até porque ele é parte. É sua, por exemplo, a emenda que restabeleceu as eleições diretas para governador e para 1/3 de senadores, os chamados biônicos, que chegavam ao Congresso por indicação do presidente da República. Aliás, o projeto não continha voto direto para o cargo máximo do Executivo porque inexistia possibilidade de se aprovar e ainda atrapalharia os demais objetivos.
Lobão expõe os bastidores das encrencas entre os generais Ernesto Geisel e João Figueiredo, penúltimo e último do ciclo de ditadores. Um aperitivo: o primeiro disse que não iria ao enterro do outro, mas morreu antes e o segundo foi ao dele. São fotografias das esquinas do poder que só quem estava na via poderia ter presenciado. Ainda sobre Figueiredo, o retrato que emerge do livro é completamente o oposto do que nos acostumamos a semear a seu respeito, sem respeito algum – gostava demais de cavalo, mas não era o burro das narrativas.
Nomes vistos apenas em aulas de História do Brasil pululam pelas páginas. A linguagem fluida combina com a lembrança de momentos divertidos, tensos e quase sempre decisivos no mais de meio século em que Lobão esteve no palco. Agora, tenta voltar a ser plateia. Impossível. Mesmo estando fora da política eleitoral, a cada vez que publicar um livro tão saboroso de ler quanto “Memórias e testemunhos” estará conquistando multidões como as que o consagraram nas urnas desde o século passado. Que venham mais confidências, inconfidências e delícias verbais aplicadas por alguém cujo texto merece ser chamado de Vossa Excelência.