Quinta-feira, 28 de março de 2024

Extrema pobreza aumenta 48% (ou o retrato de um país de miseráveis)

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de dezembro de 2022

As informações pouco a pouco desveladas pelo Tribunal de Contas da União, pelos órgãos que deveriam exercer o controle e assegurar a governança do setor público e pela equipe de transição do governo recentemente eleito mostram a extensão do desgoverno instalado em Brasília desde 2019. À desestruturação já alcançada, somam-se, mais recentemente, novos cortes e “contingenciamentos” de despesas na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, ao mesmo tempo em que se avolumam os temores de que os recursos autorizados pelo ministro dos mercados – aquele que deixou em paraísos fiscais US$ 9,55 milhões, parte da fortuna construída em manobras no mercado financeiro pátrio, para não pagar impostos – não venham a ser suficientes para manter a máquina estatal em funcionamento até a virada do ano. Corre-se o risco de um colapso.

Mas o colapso, na verdade, já se instalou e foi agora escancarado pelos dados aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que ontem divulgou a edição referente a 2021 de sua Síntese de Indicadores Sociais. Como resultado do negacionismo que levou à suspensão de políticas de socorro aos mais vulneráveis em meio à pandemia, a população em extrema pobreza aumentou nada menos do que 48,3% entre 2020 e 2021. Estavam nesta situação perto de 17,858 milhões de brasileiros ao final do ano passado, representando 8,4% da população total, diante de 12,046 milhões em 2020, correspondendo a 5,7% da população. A suspensão do auxílio emergencial durante os meses iniciais do ano passado, a piora no mercado de trabalho e, portanto, na renda dos trabalhadores contribuíram para que mais 5,812 milhões de pessoas caíssem na extrema pobreza entre aqueles dois anos.

Iniquidades

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O indicador segue a “linha” de extrema pobreza definida pelo Banco Mundial, que considera nessa situação todos com renda média de até US$ 1,90 ao mês. Os brasileiros com renda per capita média de US$ 5,50 – que define a “linha de pobreza”, na versão ainda do Banco Mundial – cresceram de 50,953 milhões para 62,525 milhões, passando a representar 29,4% da população, frente a 24,1% em 2020. Registrou-se, no caso, uma variação de 22,7% no período. Num País de desiguais, a distribuição da pobreza e da extrema pobreza penaliza as regiões mais empobrecidas, ou menos desenvolvidas, para recorrer a um eufemismo muito ao gosto dos nossos economistas. As regiões Nordeste e Norte registram os percentuais mais elevados de pessoas na extrema pobreza, com respectivamente 16,5% e 12,5% de seus habitantes naquela categoria. Para comparar, Sudeste, Centro-Oeste e Sul tiveram, pela ordem, 5,1%, 3,5% e 3,0% de seus habitantes na pobreza extrema.

Balanço

  • A extrema pobreza, de fato, avançou em todas as regiões, mas agravou-se mais gravemente entre os nordestinos, não por coincidência onde o desgoverno experimentou sua derrota mais absoluta. Ali, o percentual da extrema pobreza aumentou 6,1 pontos percentuais, saindo de 10,4% em 2020. Embora responda por 27,0% da população total, o Nordeste abriga nada menos do que 53,2% de todos os brasileiros em pobreza extrema.
  • Os pobres em geral, com rendimentos na faixa de US$ 5,50 (valores que consideram o poder de compra de cada moeda, de forma a compensar o efeito das diferenças entre as taxas de câmbio entre os diversos países), representavam, no ano passado, 44,9% e 48,7% de todos moradores das regiões Norte e Nordeste, respectivamente, saindo de 36,8% e de 40,5% em 2020.
  • O lado mais trágico dessas estatísticas, por trás das quais estão pessoas reais, seres humanos, revela-se entre os mais jovens, vale dizer, sobre o futuro do país. Entre as pessoas com até 14 anos, nada menos do que 13,4% estavam na extrema pobreza e 46,2% encontravam-se na pobreza. Negros e pardos registravam 11,0% em extrema pobreza e 37,7% na pobreza, o que se compara com 5,0% e 18,6% entre os que se declaram brancos.
  • O desempenho da renda, evidentemente, acompanhou as discrepâncias, o que resultou em um agravamento na concentração da renda e nas desigualdades entre os mais pobres e os mais ricos. Na média geral, o rendimento domiciliar per capita médio mensal caiu 6,9% entre 2020 e 2021, baixando 10,9% na comparação com 2019.
  • Mas os 10% mais pobres sofreram perdas mais pesadas, proporcionalmente, do que aqueles incluídos na faixa dos 10% mais ricos. No primeiro caso, o rendimento desabou 32,2% na saída de 2020 para 2021, com retração de 19,8% para o estrato imediatamente superior, na faixa entre 10,1% e 20% mais pobres. Aqueles entre os 10% mais ricos tiveram o rendimento reduzido em 4,5% e perderam 11,2% desde 2019.
  • Um dos resultados mais evidentes dessa discrepância foi um aumento da concentração da renda aferida pelo chamado “índice de Gini”, que saiu de 0,524 em 2020 para 0,544 no ano passado. Para deixar claro, quando mais próximo de 1,0 maior a desigualdade.
  • A política de exclusão e penalização da pobreza, agravada pela redução das despesas de caráter social, teve seu contraponto extremo na política de juros altos praticados pelo Banco Central (BC). Certas correntes de analistas e de economistas desdenham de análises nesta linha e atribuem conclusões do tipo ao que consideram como desconhecimento de como funciona a economia. Na prática, a política de juros altos funciona como um mecanismo de transferência de renda para os mais ricos, que lucram diariamente no cassino dos juros altos.
  • Ao contrário do rendimento das famílias de trabalhadores, a despesa com juros registrou salto real (já descontada a inflação) de 39,80% entre 2020 e 2021, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), subindo de R$ 317,92 bilhões para R$ 444,505 bilhões, colocando um fim à queda passageira dos juros básicos ocorrida em 2020. O aumento dos gastos com juros é o outro lado da moeda do achatamento da renda dos trabalhadores.