Falso “vigor” da produção esconde debilidades persistentes na indústria

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de junho de 2021

Dois dados são reveladores do comportamento da indústria e, de forma mais ampla, da própria demanda doméstica neste começo de ano, ainda castigado severamente pela crise sanitária, como já se poderia antecipar ainda em 2020, pelo desemprego e pela retração na renda das famílias. A produção de medicamentos e de produtos alimentícios continua em retração e não retornou até aqui aos níveis anteriores à pandemia. Segundo a pesquisa mensal da produção industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os volumes produzidos em abril deste ano por fabricantes de produtos farmoquímicos e farmacêuticos e de alimentos encontravam-se, pela ordem, 15,1% e 5,6% abaixo da produção realizada em fevereiro de 2020.

A dimensão das perdas, que se estendem aos setores de confecção de artigos do vestuário e seus acessórios, produtos têxteis e calçados, não deveria ser negligenciada. Como anota o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ao analisar os resultados da pesquisa, essa é “parcela da indústria mais diretamente afetada pelo desemprego elevado, queda da massa de rendimentos reais e redução do auxílio emergencial pago às famílias”.Ainda na comparação com fevereiro de 2020, as indústrias de vestuário, têxteis e calçados registram perdas acumuladas de 21,6%, de 2,7% e de 16,1% respectivamente.

A indústria em geral, incluindo os setores de transformação e extrativa, não cresce há quatro meses, quer dizer, desde a virada do ano, e acumula retração de 4,4% entre janeiro, com queda para todos os grandes setores nessa mesma comparação. Depois de anotar variação modestíssima de 0,2% na saída de dezembro para janeiro, a produção caiu 1,0% em fevereiro, sofreu queda de 2,2% em março e recuou 1,3% em abril, sempre em relação aos meses imediatamente anteriores. Obviamente, a comparação com abril do ano passado, quando importantes setores da indústria literalmente paralisaram sua produção, carrega distorções exatamente em função da base muito reduzida, o que tem contribuído para produzir saltos impressionantes. Como exemplo, a produção de bens duráveis (carros, motos, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e outros) experimentou alta de nada menos do que 431,7% entre abril deste ano e o mesmo mês do ano passado.

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Números enganosos

O resultado, no entanto, é nitidamente enganoso, mais uma vez por conta da base muito baixa utilizada na comparação. A indústria de veículos, reboques e carrocerias mais do que decuplicou sua produção, registrando alta espetacular de 996,5%. As montadoras de veículos, para citar um dos segmentos principais daquele setor, haviam produzido pouco mais 1,8 mil unidades em abril do ano passado, mas fabricaram 190,9 mil automóveis no mesmo mês deste ano (ou seja, 103,36 vezes mais). A despeito de todo aquele desempenho vigoroso, o número de automóveis montados em abril deste ano ainda mostrava retração de 28,7% em relação ao quarto mês de 2019, quando o setor chegou a produzir 267,8 mil unidades. A comparação entre os primeiros quatro meses deste ano e o mesmo intervalo de 2019 aponta redução de 18,3% na produção de veículos leves, saindo de 965,4 mil para 788,68 mil.

Balanço

  • Exatamente por isso, a indústria de montagem de veículos não conseguiu retomar, no Brasil, sequer o nível de empregos registrado em abril do ano passado, mantendo-se abaixo dos números de anos anteriores. Em abril deste ano, as montadoras empregavam 104,7 mil pessoas, diante de 106,6 mil no mesmo mês de 2020 e de 112,9 mil em abril de 2018. Nos últimos três anos, a indústria demitiu 8,2 mil empregados, reduzindo a mão de obra contratada em 7,3%.
  • A indústria em geral anotou elevação de 34,7% na comparação com abril de 2020, mas estava ainda 17,6% abaixo dos níveis observados em maio de 2011, quando havia alcançado seu melhor desempenho na série histórica do IBGE, iniciada em 2002. Na avaliação do Iedi, “a recuperação da indústria foi interrompida em 2021”.
  • Se na virada do ano a produção chegou a superar em 3,0% o volume produzido em fevereiro de 2020, antes da pandemia, a taxa voltou a ficar negativa em abril, com a indústria apresentando recuo de 1,0% frente aos níveis pré-pandemias, registra ainda o instituto.
  • O cenário não é mais desanimador, ainda de acordo com o Iedi, “porque o ramo extrativo tem conseguido crescer”, animada “pela reativação do comércio mundial e elevação dos preços de commodities” (minério de ferro, petróleo em bruto, principalmente). Mas as condicionantes desse crescimento não estão aqui dentro, embora sempre possa restar um efeito em cadeia para beneficiar de alguma forma setores domésticos associados à extração mineral. “É um quadro que está mais associado ao crescimento da China e outros países asiáticos e ao avanço da vacinação nos países desenvolvidos do que a fatores nacionais”, prossegue o Iedi.
  • Espécie de “coração” da indústria, o setor de bens intermediários vem sendo castigado ainda pela desarticulação das cadeias de suprimento de matérias primas e insumos. A produção no setor recuou 0,8% de março para abril e marcou quatro meses praticamente sem avançar, mas manteve-se 3,2% acima dos níveis de fevereiro de 2020. A produção realizada em abril deste ano nesta área, no entanto, ficou 13,4% menor do que em fevereiro de 2011, melhor momento do setor na série histórica. “Como se trata do núcleo do sistema industrial, esta evolução evidencia a ausência de dinamismo para o setor como um todo”, analisa o Iedi.
  • A indústria de bens de capital, que reflete decisões de investimento nas empresas, apresenta números aparentemente melhores, se for desconsiderada a dimensão das perdas sofridas no passado recente. A produção cresceu 2,9% entre março e abril e saltou nada menos do que 124,9% frente a abril de 2020. Desde janeiro deste ano, no entanto, o setor reduziu sua produção em 7,8% e encontra-se ainda 28,1% abaixo dos níveis de setembro de 2013, pico da produção no setor.
  • Abril havia sido, até aqui, o pior momento da pandemia, com agravamento descontrolado de contágios e mortes. A sinalização para maio continua pouco animadora para o setor industrial, ainda que a comparação com o ano passado continue a expressar resultados vigorosos, na aparência. Esse efeito, explicado pela base muito baixa, conforme já anotado aqui, tende a perder relevância mês a mês, especialmente no segundo semestre.