FGV antecipa cenário menos favorável para exportações

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de setembro de 2022

A persistência dos conflitos geopolíticos, agravados pela guerra prolongada entre Rússia e Ucrânia, e um cenário macroeconômico nebuloso, com os juros subindo para tentar conter a escalada inflacionária, desaquecimento da atividade econômica em escala global e riscos ainda não dissipados de recessão nas principais economias, acirram as incertezas em relação ao comércio mundial em 2023. A tendência para as exportações brasileiras no próximo ano antecipa-se menos promissora, com perspectiva de desaceleração, segundo antecipa a edição mais recente do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), coordenado pela economista Lia Valls Pereira.

Além daqueles fatores, os desajustes na cadeia global de suprimento deverão persistir por um período de tempo ainda superior ao esperado, complicando as possibilidades de uma melhora no abastecimento de peças, partes, insumos e matérias-primas. O atraso e mesmo falta de componentes, peças e acessórios, ainda sob o impacto da pandemia e, mais recentemente, do conflito no leste europeu, reduzem as possibilidades de uma normalização de parques industriais ao redor do mundo.

Numa análise ainda preliminar, o que se apresenta para 2023 é um ano de dificuldades para o comércio internacional, com reflexos sobre as exportações brasileiras e, portanto, sobre a balança comercial, reforçando impactos negativos antecipados para a economia do País ao longo do próximo ano em função principalmente do esgotamento dos efeitos positivos trazidos pela reabertura do setor de serviços. Na avaliação da economista, descrita no Icomex divulgado nesta semana, “as exportações brasileiras deverão enfrentar (em 2023) um cenário mais desfavorável do que o de 2022”.

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Conforme reforça o relatório, “o cenário macroeconômico é desfavorável. Juros altos nos Estados Unidos e União Europeia, a crise da energia que afeta a Europa, a desaceleração do crescimento da China e gargalos ainda existentes nas cadeias de suprimentos apontam para o menor crescimento do comércio mundial”.

O papel da China

Conforme o relatório, assinado por Lia, “mesmo supondo que a China recupere o seu crescimento planejado de 5,5% para 2023, é pouco provável que desempenhe o papel anticíclico que teve na crise de 2008 e no início da pandemia e que foi crucial para manter a expansão das exportações brasileiras”. Diferentemente de outros momentos na economia global, quando prevaleciam tendências recessivas, reforça o boletim, “provavelmente a China não exercerá um papel anticíclico potente para dinamizar as exportações brasileiras”.

Balanço

  • A se confirmarem as perspectivas desenhadas pela economista, as exportações não deverão funcionar como “válvula de escape” para a atividade econômica doméstica no próximo ano. As projeções continuam embutindo uma desaceleração acentuada para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2023, saindo de um crescimento previsto em 2,65% para este ano – com o requinte da segunda casa após a vírgula – para uma variação muito modesta de 0,50% no ano que vem, considerando as estimativas mais recentes do mercado financeiro.
  • Na crise de 2008, como aponta o Icomex, os impactos aqui dentro foram menos intensos do que aqueles percebidos pelas economias mais avançadas em função dos níveis proporcionalmente mais reduzidos de endividamento das empresas e das famílias, mas também porque a demanda crescente do mercado chinês por commodities (de petróleo e minério de ferro à soja em grão e carnes) manteve aquecidos os preços internacionais elevados das commodities, ajudando a alavancar as vendas externas brasileiras, o que ajudou a contrabalançar o estrago causado pela crise financeira global, a mais grave desde 1930.
  • Obviamente, a importância da China como principal parceiro comercial do Brasil não pode ser menosprezada. No acumulado entre janeiro e agosto deste ano, aponta o Icomex, o mercado chinês respondeu por mais da metade do saldo comercial brasileiro, que somou US$ 43,9 bilhões. Desse total, alguma coisa ligeiramente acima de 53,0% tiveram a China como origem, o que corresponde a um superávit comercial de US$ 23,3 bilhões em favor do Brasil. Para comparação, o comércio brasileiro acumulou um déficit de US$ 10,5 bilhões na relação com os Estados Unidos.
  • Diante desse conjunto de fatores, a posição brasileira no terreno da diplomacia deveria ser de cautela e de distanciamento inteligente, fatores evidentemente ausentes em Brasília. Conforme anota ainda o Icomex, “os contenciosos geopolíticos influenciam a direção dos fluxos de comércio e, nesse cenário, a melhor posição do Brasil é manter, se possível, uma postura de neutralidade. Independentes de efeitos positivos ou negativos, contudo, os contenciosos geram incertezas e tornam os operadores de comércio exterior mais cautelosos”.
  • Os desgastes gerados pelo contencioso entre Estados Unidos e China, numa relação conflituosa agravada pela guerra no leste da Europa, continua o relatório, pode vir a afetar as exportações brasileiras de petróleo, sobretudo. A análise da base de dados do Icomex deverá permitir avaliações mais precisas mais adiante. Por enquanto, as suspeitas sugerem algum “desvio” de comércio naquela área.
  • Ainda na descrição do Icomex, as vendas externas totais de petróleo pelo Brasil chegaram a crescer em torno de 33% na comparação entre os primeiros oito meses deste ano e igual período do ano passado, o que elevou a participação do setor nas exportações totais de 10,7% para 11,9%. “Para a China, a participação do produto na pauta de exportações brasileiras para esse país caiu de 49,2% para 37,7% e o aumento foi de 2%, na comparação interanual do acumulado até agosto de 2021 e 2022”, o que parece confirmar o “desvio de comércio” já mencionado.