Coluna

FGV antecipa perspectiva de nova queda do saldo comercial neste ano

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 21 de janeiro de 2020

A
tendência para 2020 de um superávit comercial (exportações menos importações)
ainda mais baixo do que aquele verificado em 2019 não pode ser descartada,
aponta o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV)
na edição mais recente de seu Indicador de Comércio Exterior (Icomex),
divulgado na semana que passou. No ano passado, como se recorda, o saldo entre
vendas e compras no exterior atingiu US$ 46,657 bilhões, caindo 19,6% frente a
2018, encerrado com superávit de US$ 58,033 bilhões, e atingindo o menor valor
desde 2015 (ano em que a diferença entre exportações e importações havia sido
de US$ 19,512 bilhões).

A
possibilidade nada remota de uma redução adicional no superávit comercial,
principal fonte de dólares para alimentar as reservas internacionais do País,
reforça as preocupações, já expostas por alguns economistas e analistas
econômicos, em relação à política de torra dos dólares que o Brasil decidiu
“poupar” desde o início da década de 2000. As reservas tornaram-se, desde
então, a principal arma para enfrentar turbulências na economia internacional e
evitar que o País voltasse a sofrer com crises sequenciais de falta de dólar, a
exemplo das décadas de 1980 e 1990, quando o crescimento, os empregos e o
bem-estar das famílias foram sacrificados simplesmente porque não havia
recursos em moeda forte para fazer frente a todas as despesas do Brasil no
exterior.

Desde
julho do ano passado, a equipe econômica parece ter decidido que, afinal, o
Brasil não precisa tanto de dólares assim, considerando-se os custos de
manutenção daquelas reservas. Assim, entre o final de junho do ano passado
(mais precisamente desde o dia 25 daquele mês) e o último dia 17 de janeiro, já
invadindo o ano novo, o BC torrou nada menos do que US$ 33,353 bilhões, fazendo
as reservas internacionais baixarem de US$ 390,510 bilhões para US$ 357,157 bilhões
(uma redução de 8,54%).

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Nem tão
aloprados…

Ninguém
estará suficientemente ensandecido para achar que reservas desse tamanho, algo
como 19,4% do Produto Interno Bruto (PIB), ainda não são um ativo importante.
Evidentemente que sim. Os dólares “estocados” pelo País para fazer frente a
períodos de crise ainda são suficientes para pagar toda a dívida externa bruta,
que somava US$ 326,897 bilhões em novembro do ano passado (e vinha em queda nos
meses anteriores). A questão é que a combinação de torra de reservas e retração
no superávit comercial pode levar a situações complicadas, ainda mais se a
equipe econômica continuar a insistir na liquidação dessas reservas. A premissa
adotada pelo ministro dos mercados e sua turma, além do mais, parece
essencialmente equivocada, especialmente num cenário de riscos externos que
poderão ser ainda exacerbados pela atuação de um presidente instável e
personalista, que já deu mostras de uma opção pelo isolacionismo na relação com
outras nações (trata-se, aqui, do presidente Donald Trump e não de seu títere
latino).

Balanço

·  
Ao
contrário do senso comum, como demonstram os dados do próprio Banco Central, as
reservas internacionais trouxeram lucros para o BC nos últimos dois anos, mais
do que compensando as perdas realizadas entre 2008 e 2017. Um ganho que ajudou
mesmo a cobrir as perdas da autoridade monetária em suas operações no mercado
do dólar aqui dentro.

·  
De
fato, entre 2008 e 2017, com os juros internos na lua, os custos de captação do
BC (quer dizer, a taxa média paga pela autoridade monetária para levantar
dinheiro no mercado, multiplicada pelo volume das reservas) chegaram à
estratosfera e superaram a rentabilidade das reservas, corrigidas pelas taxas
de juros internacionais, muito próximas de zero (ou entre 1% e 2% ao ano, no
máximo) nos principais centros financeiros globais desde a crise de 2008/2009.

·  
Naqueles
10 anos, o BC teve que administrar um prejuízo líquido de R$ 70,865 bilhões com
a gestão das reservas (resultado já convertido em reais pelo próprio BC em sua
nota da política fiscal referente a novembro. Em 2018 e 2019 (com dados até 20
de dezembro e ainda preliminares), o resultado trocou de sinal, passando a
indicar um lucro somado de R$ 193,901 bilhões. Na soma final, entre 2008 e
2019, o BC teve um ganho líquido, já descontados os custos de captação, de R$
123,036 bilhões.

·  
As
operações de “swap” cambial (troca de dólares por reais), ao contrário,
impuseram perdas entre R$ 39,178 bilhões (no conceito de caixa) e R$ 40,746
bilhões (pelo critério de competência, que considera a data de vencimento das
obrigações cambiais), igualmente entre 2008 e 2019.

·  
A
redução dos juros, portanto, alterou o cenário e deveria exigir outro tipo de
política para as reservas internacionais, que passaram a dar lucros para o BC.
A queima dessas reservas contribuiu, no ano passado, para conter o avanço da
dívida bruta do governo central. Mas deve-se ponderar se vale a pena sacrificar
um “seguro” contra crises num mundo em turbulência apenas para obter reduções
pontuais no endividamento do setor público.