Frete internacional mais caro explica grande parte da escalada da inflação

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de janeiro de 2023

Os dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC) confirmam o que a coluna havia antecipado há um mês, mostrando nova alta nos gastos com frete internacional, elevando essa despesa para seu nível mais alto em toda a série histórica iniciada em 1995. O ritmo de alta registrou desaceleração se considerado o salto observado em 2021, embora o crescimento continuasse expressivo. Desprezado de certa forma por analistas em todo o mundo, a alta dos custos internacionais de transporte aparentemente cumpriu papel relevante na escalada inflacionária sofrida por todas as economias no ano passado e tende, agora, a ajudar na desaceleração na intensidade de alta dos preços em geral, contribuindo para amenizar o cenário inflacionário.

Pelo menos é o que antecipa o economista Jonathan D. Ostry, em artigo recentemente divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em seu blog. Professor de economia da Universidade de Georgetown e ex-diretor interino do departamento da Ásia e Pacífico do próprio FMI, Ostry sugere que os custos muito mais altos no transporte internacional de cargas poderia explicar boa parcela do aumento da taxa mundial de inflação verificada no ano passado.

Conduzida com a colaboração de outros colegas do professor, a análise “sugere que a duplicação dos custos de frete” tenderia a causar um acréscimo de aproximadamente 0,7 ponto percentual na taxa de inflação. “Dado o aumento real nos custos globais de remessa durante 2021, estimamos que o impacto na inflação em 2022 foi superior a 2 pontos percentuais”, anota Ostry. Nas projeções mais recentes do FMI, a inflação mundial tenderia a encerrar 2022 muito próxima de 8,8%, o que significaria, a ser confirmada a previsão divulgada em novembro do ano passado, uma elevação de 4,1 pontos percentuais em relação à taxa de 4,7% registrada em 2021. Neste caso, a estarem corretos os cálculos econométricos desenvolvidos por Ostry e seus colegas, o salto nos custos do frete poderia explicar metade ou pouco mais do surto inflacionário.

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Fator ignorado

Num comentário adicional, com foco mais doméstico, a influência dos custos do transporte internacional sobre os preços em geral aparentemente não teria chegado a ser devidamente considerada na calibragem da política monetária conduzida pelo BC brasileiro. A se confirmar a precisão da análise produzida pelo ex-diretor do FMI, portanto, o arrocho monetário, expresso no aumento exagerado dos juros a partir da segunda metade de março do ano passado, com a taxa básica subindo de 2,0% para 13,75% ao ano, teria impacto muito limitado no combate à inflação, já que causada em grande parte por fatores que independem da capacidade de controle da autoridade monetária. Da mesma forma em que os impactos do frete externo no processo inflacionário brasileiro foram pouco notados, sua acomodação ao longo do ano passado tem sido igualmente ignorada – ainda que essa nova tendência possa contribuir para refrear o ritmo dos preços ao longo deste ano, o que poderia levar a uma condução mais adequada da política de juros, levando pelo menos ao início de um processo de redução da taxa básica.

Balanço

  • De acordo com Ostry, os indicadores do custo dos contêineres utilizados no frete marítimo haviam aumentado mais de 600% na comparação com os níveis anteriores à pandemia, ao mesmo tempo em que os custos do transporte marítimo de mercadorias a granel haviam mais do que triplicado.
  • Esse “aumento notável”, na descrição de Ostry, teve como causas as distorções geradas pela pandemia e suas consequências sobre as cadeias globais. “À medida em que a atividade manufatureira se recuperou após os bloqueios prolongados do Covid-19, a demanda pelo despacho de insumos intermediários (como energia e matérias-primas) por via marítima aumentou significativamente. Ao mesmo tempo, a capacidade de transporte foi severamente limitada por obstáculos logísticos e gargalos relacionados a interrupções pandêmicas e escassez de equipamentos de contêineres”, detalha o economista.
  • Adicionalmente, o isolamento de trabalhadores portuários contaminados pelo Sars-CoV-2 causou escassez de mão de obra nos portos em todo o mundo, dificultando a movimentação de cargas. Além disso, prossegue Ostry, “as restrições de saúde pública impediram motoristas de caminhão e tripulações de navios de cruzar as fronteiras”.
  • O estudo indica ainda que o efeito do “choque de custo de frente sobre a inflação” seria mais duradouro “do que os efeitos do choque de preços de commodities, atingindo o pico após cerca de um ano”, com duração estimada em 18 meses. “Nossas estimativas, aliás, são simétricas, de modo que quedas nos custos de frete tenderiam a reduzir a inflação no ano seguinte. A implicação é que a grande moderação nos custos de frete em 2022 contribuirá para uma reversão das pressões inflacionárias” neste ano, antecipa Ostry.
  • Entre 2020 e 2021, os gastos do País com frete, já descontadas as receitas obtidas no transporte de cargas, subiram 109,85%, saltando de US$ 5,888 bilhões para US$ 12,356 bilhões. E atingiram o recorde de US$ 15,763 bilhões no ano passado, variando 27,57% em relação a 2021. A despeito da marca histórica, a taxa de variação registrou evidente desaceleração, ainda que mantenha um vigor ainda expressivo. Em três anos, os gastos com frete internacional aumentaram 178,7% quando comparados aos US$ 5,656 bilhões anotados em 2019.
  • Considerando apenas a despesa realizada no quarto trimestre do ano passado, o frete consumiu US$ 3,821 bilhões, em queda de 4,81% em relação ao mesmo trimestre de 2021, quando havia alcançado US$ 4,014 bilhões. Em relação ao trimestre final de 2019, período que havia registrado despesas de US$ 1,454 bilhão com o pagamento de fretes, persiste um crescimento de 176,07%.