Gasto com dívida volta a consumir níveis (quase) recordes da renda
O avanço no saldo da dívida e a alta dos juros elevaram a fatia da renda das famílias destinada ao pagamento do serviço de sua dívida, em maio deste ano, a níveis quase recordes nas séries históricas do Banco Central (BC). Entre outros impactos, o maior comprometimento da renda familiar com o pagamento de juros e amortizações sobre o saldo daquela dívida significa, evidentemente, menor disponibilidade de recursos para o consumo de bens e serviços, afetando de forma negativa o desempenho da atividade econômica em seu conjunto.
Esse movimento vem sendo acompanhado por uma piora relativa nos indicadores de inadimplência no mercado de crédito ao longo deste ano. Considerando as operações de crédito não honradas pelas pessoas físicas a mais de 90 dias, a inadimplência total das famílias saiu de 3,7% em maio do ano passado para 4,2% no mesmo mês deste ano, alcançando 4,3% em junho.
No segmento de crédito livre do sistema financeiro nacional, a taxa de inadimplência, que havia estacionado em 5,5% em maio e junho do ano passado, elevou-se para 6,2% em maio deste ano e daí para 6,3% em junho. Aquelas taxas retomam os níveis observados no mesmo período de 2023, mas continuam abaixo dos recordes observados em 2012, quando a inadimplência das pessoas físicas havia atingido 5,5% em maio daquele ano na medição, aproximando-se de 7,2% no crédito “livre” (quer dizer, a taxas de juros livremente impostas pelo sistema financeiro aos tomadores de empréstimos e financiamentos).
Os dados da mais recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostram um novo avanço do percentual de famílias endividadas, que voltou em junho deste ano a representar 78,4% do total de famílias, depois de ter recuado para 76,1% em janeiro.
Famílias endividadas
O levantamento aponta ainda que o número de famílias com contas em atraso avançou de quase 4,877 milhões para 5,044 milhões entre junho do ano passado e o mesmo mês deste ano, numa variação de 3,4%. Na comparação com o total de famílias endividadas, aquelas que já deixaram de honrar seus compromissos em dia passaram a representar 38,35% em junho deste ano, frente a 37,10% no mesmo mês de 2024.
Mais relevante ainda, o total de famílias que não terão condições de pagar suas dívidas cresceu 9,8% e avançou de 1,986 milhão para praticamente 2,181 milhões, passando a representar 16,58% das famílias com alguma dívida – o que se compara com um percentual de 15,12% em junho do ano passado.
gBalanço
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O saldo do crédito ampliado contratado pelas famílias tem se mantido acima de 36,0% do Produto Interno Bruto (PIB) desde o final do ano passado, recuando ligeiramente de 36,6% em abril para 36,4% em junho deste ano. De toda forma, na comparação com junho do ano passado, aquele estoque apresentou crescimento nominal de 11,90%, passando de R$ 3,984 trilhões para R$ 4,458 trilhões.
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Houve modesta desaceleração no ritmo de crescimento, ao se considerar que, entre maio do ano passado e o mesmo mês deste ano, as estatísticas do BC para o crédito ampliado contratado pelas famílias apontavam uma variação de 12,46%.
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Também em maio deste ano, o saldo da dívida das pessoas físicas exclusivamente no mercado de crédito cresceu quase na mesma proporção, variando 12,4% ao sair de R$ 3,675 trilhões para R$ 4,130 trilhões.
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As estatísticas do BC sobre a parcela da renda nacional bruta disponível das famílias destinada ao pagamento de juros e amortizações cobrem o período encerrado em maio deste ano e apontam que aquele comprometimento havia retornado a 27,8%. Isso significa dizer que, a cada R$ 100 recebidos como renda pelas famílias, algo como R$ 27,80 haviam sido destinados a cobrir juros e amortizações. Essa fatia havia sido de 25,9% em maio do ano passado e agora se aproxima dos níveis observados em igual mês de 2023, ou seja, 27,9% – o mais elevado da série iniciada em 2011.
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Atualizada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e ajustada a fatores sazonais (quer dizer, com exclusão de eventos e outras ocorrências que se repetem nos mesmos períodos todos os anos), a renda nacional bruta disponível havia crescido 4,28% entre o acumulado em 12 meses até maio do ano passado e os 12 meses imediatamente seguintes, saindo de alguma coisa inferior a R$ 8,530 trilhões para R$ 8,895 trilhões. Houve certa desaceleração no ritmo de crescimento quando se considera que o aumento havia sido de 6,69% na comparação dos 12 meses finalizados em maio do ano passado com o acumulado entre junho de 2022 e maio de 2023.
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Tomando os níveis de comprometimento da renda com o pagamento de juros e amortizações e os valores calculados pelo BC para a renda bruta disponível, pode-se estimar que o serviço da dívida teria crescido em torno de 20,7% a partir de maio do ano passado. Neste exercício, as famílias teriam gasto em torno de R$ 1,023 trilhão com juros e amortizações entre junho de 2023 e maio de 2024, valor que teria subido para R$ 1,235 trilhão nos 12 meses seguintes. Os valores levam em conta o saldo da dívida ampliada das famílias e não apenas o valor das operações realizadas especificamente no sistema financeiro.
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O estoque do crédito ampliado para as empresas experimentou leve recuo entre dezembro do ano passado e junho deste ano, saindo de R$ 6,708 trilhões para R$ 6,622 trilhões – uma queda de 1,28%, equivalente a R$ 86,0 bilhões a menos. Como proporção do PIB, o estoque daquela dívida baixou três pontos percentuais, de 57,1% para 54,1%. Toda a queda foi explicada pela redução de 8,49% no saldo da dívida externa das empresas, que baixou de R$ 2,192 trilhões para R$ 2,006 trilhões, numa queda equivalente a R$ 186,0 bilhões, explicada integralmente pela queda do dólar em relação à moeda brasileira ao longo do período.
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