Gasto com juros foi quatro vezes maior do que déficit do governo

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de setembro de 2023

O terrorismo fiscal voltou a frequentar com força as manchetes da grande mídia corporativa por conta do déficit acumulado pelo governo central – União, Banco Central (BC) e Previdência – nos oito primeiros meses deste ano, na faixa de R$ 103,565 bilhões em valores atualizados até agosto último com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O pior resultado para um primeiro ano de governo desde sempre, alardeiam os jornalões e canais de notícia, com destaque para alertas sobre supostos “riscos” à estabilidade na economia por conta do crescimento das despesas públicas. Claro, como não poderia deixar de ser, surgem “comentaristas” econômicos alinhados desde sempre com os mercados para despejar sobre o honorável público análises tão alarmistas quanto simplórias.

Enfadonhamente previsíveis, analistas, consultores e “comentaristas” dedicaram-se a mostrar que o desalinho entre receitas e despesas é de fato a “grande ameaça”, desconsiderando dados disponíveis a qualquer um, desde que consultados com um mínimo de prudência, bom-senso e honestidade intelectual. O time convocado recorrentemente pela grande mídia para “comentar” as contas do setor público deixou de lado, como se não tivesse a menor relevância, o crescimento ainda acelerado das despesas com juros, segundo principal item entre os gastos públicos federais, perdendo apenas para o pagamento de benefícios previdenciários a pensionistas e aposentados.

Entre janeiro e agosto deste ano, o gasto do governo central com juros, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), atingiu nada menos do que R$ 403,157 bilhões, valor mais elevado para período desde 2015, há oito anos, portanto, crescendo 22,91% em relação ao mesmo intervalo de 2022, já descontada a inflação. Até agosto deste ano, nas estimativas do BC, os juros consumiram algo como 5,73% do Produto Interno Bruto (PIB), praticamente quatro vezes mais do que o déficit acumulado naqueles mesmos oito meses. Para comparar, o rombo de R$ 103,565 bilhões correspondeu a 1,47% do PIB. No ano passado, entre janeiro e agosto ainda, os juros exigiram o desembolso de R$ 328,003 bilhões, perto de 5,05% do PIB.

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Pressão financeira

Em outra comparação possível, o aumento nas despesas com juros, na faixa de R$ 75,154 bilhões, superou o crescimento registrado pelo total das despesas primárias (excluídos os juros). Entre o ano passado e este ano, no acumulado entre janeiro e agosto, os gastos primários totais do governo central experimentaram variação real de 4,52% ao avançarem de pouco mais de R$ 1,282 trilhão para R$ 1,340 trilhão, num acréscimo de R$ 57,958 bilhões. Uma parcela do crescimento relativamente moderado das despesas primárias deve ser atribuída à queda vertical nos chamados créditos extraordinários, abertos na fase da pandemia para enfrentar a crise sanitária. Esse tipo de desembolso desabou de R$ 22,705 bilhões para apenas R$ 1,262 bilhão entre janeiro e agosto deste ano, num tombo de 94,44% (R$ 21,443 bilhões a menos). Excluídos os créditos extraordinários, as despesas primárias restantes subiram de pouco menos de R$ 1,260 trilhão para R$ 1,339 trilhão, num incremento de R$ 79,401 bilhões e variação de 6,30%.

Balanço

  • Claramente, a alta nos gastos com juros ficou muito próximo do crescimento das despesas primárias, depois de desconsiderados os créditos extraordinários.
  • Mais do que os juros, as análises predominantes, sempre orientados a favor dos interesses do mercado, desconsideram alguns dos principais fatores que condicionaram o comportamento de receitas e despesas ao longo deste ano. Como já conhecido, os resultados positivos das contas do governo central no ano passado podem ser atribuídos quase que exclusivamente a receitas não recorrentes, associadas ao pagamento de dividendos, à arrecadação de tributos sobre a exploração de recursos minerais e a receitas de concessões e permissões na área federal.
  • Na soma daqueles três itens, o governo arrecadou em torno de R$ 209,610 bilhões entre janeiro e agosto do ano passado, valor reduzido para R$ 120,215 bilhões em idêntico intervalo deste ano, numa retração de 42,65% e perda de nada menos do que R$ 89,394 bilhões. Essa queda explica grande parcela da redução na receita bruta total, que saiu de R$ 1,630 trilhão nos oito meses iniciais de 2022 para R$ 1,536 trilhão neste ano, em baixa de 5,77% em termos reais. O governo central deixou de arrecadar qualquer coisa ao redor de R$ 94,136 bilhões.
  • A receita líquida, descontada as transferências constitucionais, sofreu queda real de 5,49%, saindo de R$ 1,309 trilhão para R$ 1,237 trilhão, numa perda de R$ 71,907 bilhões, o que explica em torno de 55,4% da piora no resultado primário. O aumento real das despesas primárias totais responde pelos restantes 44,6%. O avanço dos gastos ficou concentrado principalmente nas despesas com a incipiente rede de proteção social construída no País nas últimas décadas.
  • Em conjunto, as despesas com benefícios de prestação continuada, renda mensal vitalícia, Bolsa Família, saúde, educação, assistência social e abono e seguro desemprego atingiram R$ 356,799 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, crescendo 22,01% em relação ao mesmo período do ano passado (mais R$ 64,374 bilhões), quando haviam alcançado R$ 292,425 bilhões. Embora esses gastos tenham respondido por 26,64% das despesas primárias totais, aqueles gastos tiveram participação de 81,07% no crescimento dos gastos gerais, evidentemente com a exclusão dos juros.
  • Depois de atingirem o fundo do poço no ano passado, os investimentos cresceram 32,80% em termos reais neste ano, subindo de R$ 28,036 bilhões no registro dos oito primeiros meses de 2022 para R$ 37,233 bilhões. Apenas em agosto, o investimento realizado de R$ 7,811 bilhões foi 160,39% maior do que no mesmo mês do ano passado (quase R$ 3,0 bilhões).
  • Os gastos com o programa Minha Casa Minha Vida, que haviam despencado para R$ 542,043 milhões no ano passado, somaram R$ 4,703 bilhões neste ano, sempre de janeiro a agosto, num salto de 767,66% em termos reais.