Gastos com frete internacional batem novo recorde em 2022

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 27 de dezembro de 2022

Os desarranjos detonados pela pandemia nas cadeias globais de produção e na logística internacional, encarecendo drasticamente os custos de transporte de bens e mercadorias, lançaram as despesas do País com fretes internacionais a níveis recordes pelo segundo ano consecutivo. No ano passado, esse tipo de gasto, já descontadas as receitas em dólar obtidas pelo País na prestação do mesmo serviço, havia mais do que dobrado, saindo de US$ 5,888 bilhões para US$ 12,356 bilhões, no salto de 109,85%. Nos primeiros 11 meses deste ano, o pagamento de fretes subiu para US$ 14,560 bilhões, superando todo o valor registrado nos 12 meses do ano passado e crescendo 32,33% frente a despesas na faixa de US$ 11,003 bilhões no acumulado entre janeiro e novembro de 2021, registrando incremento equivalente a US$ 3,557 bilhões.

O pagamento de fretes neste ano já alcança a maior marca na série histórica do Banco Central (BC), iniciada em 1995, e responde por praticamente 59,3% do incremento registrado na conta de transações correntes, que registra toda a movimentação de entrada e saída de dólares do Brasil em seu relacionamento com os demais países do planeta. O déficit na conta de transações correntes cresceu em torno de 15,5% na comparação entre os 11 meses iniciais deste ano e igual intervalo do ano passado, saindo de US$ 38,617 bilhões para US$ 44,616 bilhões – em alta, portanto, de US$ 5,999 bilhões em valores arredondados.

A despesa líquida com transportes, que inclui o trânsito de cargas e passageiros (mas exclui viagens em geral, a negócio ou a turismo), entre outros serviços nesta área, aumentou em quase 50% na mesma comparação, avançando de US$ 12,007 bilhões para US$ 17,997 bilhões – com participação de 80,9% para os gastos com frete. Sozinho, o setor contribuiu virtualmente com quase todo o aumento no déficit em transações correntes registrado até novembro deste ano ao anotar acréscimo de US$ 5,990 bilhões.

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Os dados, os dados…

Na leitura mais “liberal” dos dados da conta de transações correntes de um país, qualquer país, o crescimento do déficit nesta área seria resultado de um aquecimento da chamada demanda doméstica “agregada” (quer dizer, do consumo somado das famílias, empresas, governos e suas estatais, acrescido dos investimentos realizados em toda a economia). Em tese, como a economia não consegue produzir em volume suficiente para suportar o aumento da demanda doméstica, o país passa a necessitar em escala crescente de bens e serviços importados, resultando num aumento do rombo externo. Mas o que os números desagregados do balanço de pagamentos, que inclui a conta de transações correntes, sugerem que o aumento do déficit externo esteve muito mais associado ao aumento nos custos de frete como decorrência dos problemas causados pela pandemia na logística global, levando ao encarecimento dos custos de transportes de cargas. Como se recorda, entre 2021 e o começo deste ano, as empresas de exportação e de importação conviveram com falta de contêineres, por exemplo, causando atrasos nas escalas dos navios e gerando custos adicionais de demurrage (uma espécie de “multa” paga pelo afretador, empesa que contrata o navio para realizar o frete, por atraso no embarque ou desembarque de cargas).

Balanço

  • Antes de prosseguir, registre-se que o déficit em transações correntes mantém-se em níveis historicamente bem comportados, distante dos níveis de 2019 e relativamente mais baixo do que em 2018, batendo os números excepcionalmente reduzidos de 2020 e 2021, ainda com reflexo do menor fluxo de comércio e de pessoas entre os países depois da pandemia.
  • Sempre entre janeiro e novembro de cada ano, o rombo em transações correntes no Brasil havia avançado de US$ 47,679 bilhões em 2018 para US$ 62,255 bilhões no ano seguinte. O recorde histórico, na série iniciada há 27 anos, foi alcançado em 2014, quando o déficit chegou a US$ 100,315 bilhões (também nos primeiros 11 meses daquele ano).
  • Adicionalmente, a despeito de como o País atingiu essa marca (O Hoje, 23/12/2022), o investimento estrangeiro direto havia sido 84,4% mais elevado do que o déficit corrente acumulado nos 11 meses iniciais deste ano, quando medidos em dólares. Para comparar, conforme dados do BC, o déficit em transações correntes no acumulado do ano atingiu alguma coisa ao redor de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB), o que se compara com uma participação de 4,7% para o investimento estrangeiro.
  • As estatísticas disponíveis indicam que a alta nos preços do frete foi determinante para os valores recordes das despesas do País com o transporte internacional de cargas. Como visto, no ano passado, a conta do frete foi duplicada, mas os volumes exportados e importados pelo País (a chamada “corrente de comércio”, medida no caso em toneladas) registrou variação de apenas 4,44%. Para reforçar, entre exportações e importações, o comércio exterior brasileiro havia movimentado 878,80 milhões de toneladas em 2021, diante de 841,43 milhões de toneladas um ano antes. Os volumes exportados anotaram variação de 0,42% entre os dois períodos, passando de 697,45 milhões para 700,39 milhões de toneladas, diante de um avanço de 23,91% para os volumes importados (de 143,98 milhões para 178,41 milhões de toneladas).
  • Entre janeiro e novembro deste ano, em relação aos mesmos 11 meses de 2021, o volume total movimentado na exportação e na importação cresceu praticamente na mesma proporção, num incremento de 4,30%. Nos dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, a movimentação de bens e mercadorias nas duas pontas saiu de 804,18 milhões para 837,95 milhões de toneladas.
  • A tendência sofreu alguma inversão se considerado o comportamento anotado entre 2020 e 2021. Neste ano, sempre nos 11 meses iniciais, os volumes exportados cresceram 6,31% (de 639,46 milhões para 679,81 milhões de toneladas), mas as importações recuaram praticamente 4,0% (encolhendo de 164,72 milhões para 158,14 milhões de toneladas).
  • Em valores, exportações e importações haviam crescido, respectivamente, 34,2% e 38,2% na passagem de 2020 para 2021 e anotaram incrementos de 20,3% e de 26,1% na mesma ordem, agora na comparação entre os 11 meses iniciais de 2021 e de 2022. Os números refletem a valorização dos preços médios de exportação e importação, com destaque para commodities (grãos, minério de ferro e petróleo, principalmente).
  • Na comparação entre valores médios registrados em 2020 e em 2021, os preços dos bens e mercadorias exportados chegaram a subir 33,7% e passaram a anotar alta de 13,13% neste ano, já em evidente desaceleração. Na ponta das importações, os preços médios haviam sofrido elevação de 11,51% na comparação entre 2021 e 2020, mas saltaram 31,30% neste ano.