Coluna

Indústria de cogeração de energia descarta crescimento neste ano

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 10 de abril de 2020

A
mudança radical no cenário esperado para toda a economia desde a emergência do
Covid-19 gerou uma reversão nas expectativas também do setor de geração de
energia a partir de biomassa, indústria que utiliza madeira, bagaço e palha de
cana, entre outros resíduos da agroindústria, para produzir eletricidade. As
mudanças no mercado de energia, provocadas essencialmente pela retração da
demanda levaram o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) a suspender por tempo indeterminado, no final do mês
passado, todos os leilões programados para 2020.

De
acordo com Zilmar de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de
Cana-de-Açúcar (Unica), no leilão A-4 de energia nova, para entrega em janeiro
de 2024, o setor de biomassa havia cadastrado 21 projetos, com potência total
em torno de 1,0mil megawatt (MW), perto de 7% da capacidade atual. No ano
passado, nos leilões A-4 e A-6, o setor chegou a contratar a entrega de 77
megawatts médios, quase o triplo do que havia sido contratado em 2018 nos
leilões de energia no mercado regulado, envolvendo sete projetos. Vinha
ocorrendo um avanço, reconhece Souza, mas os valores ainda se encontravam
abaixo da média de 110 MW médios registrada desde o início dos leilões, em
2005. Para comparação, cita ele, em 2008 o setor negociou 520 MW médios.

O
gerente da Unica acrescenta que a expectativa do setor para 2020 era de pelo
menos manter a geração realizada no ano passado, sem qualquer “acréscimo muito
significativo”. Em 2019, a indústria de cogeração colocou no sistema integrado
de energia perto de 22,4 terawatts/hora (TWh), representando 4,6% do consumo
total de energia elétrica, num avanço de 4,2% em relação a 21,5 TWh em 2018. A
participação da biomassa na demanda tem se mantido ao redor daqueles 4,6% desde
2016.Neste momento, diante da perplexidade gerada pela parada súbita de quase
toda a economia, a indústria do setor tornou-se muito mais reticente e tem
evitado fazer prognósticos.

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Corte na demanda

O
cenário tem sofrido alterações aceleradas desde o final da primeira quinzena de
março. A suspensão dos leilões de energia, comenta Newton Duarte, presidente
executivo da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), trouxe
intranquilidade a todo o setor, agravada pela perspectiva muito concreta de
encolhimento do mercado. Dias antes do adiamento dos leilões, a Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS) incluíram na primeira revisão de seu
planejamento para 2020 a previsão de redução de 0,9% na carga de energia neste
ano em relação a 2019, para 67.249 megawatts médios – um corte de 5,0% em
relação à estimativa anterior. Uma revisão ainda modesta, já que baseada numa
estimativa de crescimento nulo para a economia.

Balanço

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As
apostas mais recentes do mercado, segundo o relatório Focus do Banco Central
(BC), apontavam, no começo de abril, uma queda de 1,18% para o Produto Interno
Bruto (PIB). O Itaú Unibanco voltou a mexer em suas projeções para 2020,
ampliando a queda esperada para o PIB de 0,7% para 2,5%. O Banco Fator tem se mantido
mais realista e antecipa uma retração de praticamente 5,0%. Se confirmados os
números mais pessimistas, o consumo de energia, que já havia recuado 1,2% no
primeiro bimestre, tenderia a experimentar um mergulho mais profundo.

·  
A
redução do consumo acirrou os ânimos entre distribuidoras e geradoras, com
ameaças de não cumprimento dos contratos de compra de energia. A biomassa,
observa Duarte, poderia vender a energia excedente (no caso de os contratos não
vierem a ser honrados) no mercado de curto prazo. A questãoé que esse mercado está
virtualmente paralisado desde 2015 por uma centena de liminares que têm
dispensado as hidrelétricas do pagamento da energia que foram forçadas a
comprar no mercado spot para suprir seus contratos de fornecimento na crise de
2014.

·  
O
passivo gerado pelas liminares, indica Souza,havia alcançado R$ 8,33 bilhões na
posição de janeiro deste ano, saindo de R$ 7,62 bilhões em igual período do ano
passado, num avanço de 9,3%. Daquele valor, conforme o gerente da Unica, perto de meio bilhão de reais eram devidos às usinas de
cana. Em média, afirma Souza, apenas 4% do valor total negociado no mercado de
curto prazo foram pagos de fato “e a biomassa tem sido o setor mais penalizado
pela judicialização”, acrescenta ele.

·  
Antes
da crise, Souza antecipava alguma melhoria no arranjo institucional que regula
o setor. Ainda em março, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE)
havia aprovado o projeto de lei 3975/2019, prevendo um amplo acordo para
destravar o mercado de curto prazo e solucionar um passivo bilionário. O acordo
prevê a prorrogação por até sete anos dos prazos de concessão das hidrelétricas
em troca do pagamento da dívida e da suspensão de quase 100 liminares. No mesmo
dia 9 de março, numa medida mais estrutural, sempre conforme Souza, a Comissão
de Serviços de Infraestrutura do Senado aprovou e encaminhou para a Câmara o
projeto de lei 232/2016, que moderniza o setor elétrico.

·  
O
projeto permite reconhecer e valorizar os atributos e externalidades de cada
fonte geradora de energia. “Entendemos que a biomassa tende a se tornar mais
competitiva a partir da aprovação final do projeto, que apresenta custo global
mais baixo, é renovável, evita emissões e está mais próxima dos centros de
carga”, argumenta ele.