Coluna

Indústria reduz participação nas exportações após anos de maus-tratos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de julho de 2020

Depois
de décadas de maus-tratos, submetida a juros escorchantes e a taxas de câmbio
valorizadas – o que favoreceu tremendamente a entrada de produtos importados e,
portanto, sacrificou a produção local –, a indústria de transformação reduziu
vigorosamente sua participação na pauta brasileira de exportações. O dólar
barato desempenhou um papel relevante nesse movimento, agravado ainda por
distorções históricas que têm afetado negativamente a produtividade no setor e
sua capacidade para competir com os importados e brigar por mercados lá fora.

Nas
séries estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), disponíveis a
partir de 1997, a fatia da indústria de transformação nas exportações totais
caiu de 80,9% naquele ano para menos de 58,0% no ano passado. Isso não
significa que as vendas externas do setor deixaram de crescer. Pelo contrário,
elas experimentaram um aumento de 204,9%, saindo de US$ 42,833 bilhões para US$
130,618 bilhões. Mas as exportações totais, puxadas principalmente por
petróleo, minério de ferro e produtos agrícolas, com destaque para grãos e
carnes nesta área, alcançaram um crescimento de 325,7% no mesmo período,
avançando de US$ 52,947 bilhões para US$ 225,383 bilhões (ou seja, um acréscimo
de US$ 172,436 bilhões em pouco mais de duas décadas).

A
economia atravessou vários ciclos ao longo desse período, enfrentando crises no
final dos anos 1990, no início da década seguinte, a grande crise financeira de
2008/2009, a recessão de 2015/2016 – esta turbinada pela crise política que
levou ao afastamento de uma presidente. Mas também viveu momentos de
crescimento vigoroso, entre 2003 e 2008 e ainda entre 2010 e 2013, quando
começou a dar sinais de algum esfriamento, motivado em grande medida pela
incapacidade da indústria de avançar mais rapidamente.

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O
período entre 2002 e 2008 concentrou praticamente 80% de todo o aumento
acumulado naqueles 22 anos pelas exportações do País. Não por coincidência, o
período foi marcado por uma fase de elevação nos preços das commodities
agrícolas e minerais, alimentada pelo apetite crescente do mercado chinês, que
assumiu papel de protagonista nesta área, tornando-se principal mercado de
destino das vendas externas brasileiras, largamente concentrada em minério de
ferro, soja em grão e, mais recentemente, carnes bovina e suína.

Recursos
naturais

Desde
1997 a 2019, nove itens e/ou produtos responderam por mais de dois terços do
aumento acumulado pelas exportações totais e todos relacionados a recursos
minerais e a produtos de base agrícola. Pela ordem, petróleo, soja em grão,
minério de ferro, carnes, milho, pastas químicas de madeira (pasta de celulose),
açúcar, farelo de soja e ouro apontaram um incremento somado de US$ 110,623
bilhões naquele intervalo, enquanto o acréscimo registrado para o total
exportado pelo Brasil aproximou-se de US$ 172,436 bilhões. Mais precisamente,
uma contribuição de 64,2%. Na soma daqueles nove itens, as vendas atingiram US$
123,495 bilhões no ano passado, representando 54,8% de toda a pauta, num salto
de 859,4% em relação a 1997, quando haviam somado US$ 12,872 bilhões,
respondendo por 24,3% das vendas externas totais.

Balanço

·  
A
descoberta do pré-sal em 2006 e o seu desenvolvimento nos anos seguintes,
graças à tecnologia criada e desenvolvida pela Petrobrás para exploração de
óleo a grandes profundidades na costa brasileira, tiveram impacto decisivo
também na pauta de exportações. Em 1997, as vendas externas do setor,
considerando os embarques de óleo bruto e processado, representavam um traço
nas estatísticas, correspondendo a vendas de US$ 318,4 milhões (apenas o 31º
item da pauta). No ano passado, aquele valor atingiu US$ 30,314 bilhões, ou
seja, 95,2 vezes mais, o que assegurou a liderança na pauta de exportações.

·  
A
segunda maior contribuição veio da soja em grão, que teve as vendas externas
elevadas em 963,3% em 22 anos, saindo de US$ 2,452 bilhões para US$ 26,077
bilhões, com a China assumindo participação de 78,4% naquele total.

·  
As
exportações de minério de ferro, por sua vez, igualmente puxado pela demanda
chinesa, cresceram 703,3% entre 1997 e 2019, pulando de US$ 2,846 bilhões para
US$ 22,682 bilhões.

·  
As
vendas brasileiras de carnes (bovina, aves e suína, incluindo miúdos) avançaram
de US$ 1,289 bilhão para US$ 15,304 bilhões, o que
correspondeu a um salto de 1.087% (quer dizer, praticamente 12 vezes mais).

·  
Os
embarques de milho, com o avanço dos plantios de segunda safra no País e
aquecimento da demanda global, foram multiplicados em nada menos do que 140,3
vezes, crescendo de apenas US$ 51,957 milhões para quase US$ 7,290 bilhões.

·  
A
indústria de papel e celulose aumentou em 645% suas vendas externas de pasta de
celulose, saindo de US$ 957,777 milhões para US$ 7,135 bilhões. As exportações
de açúcar e de farelo de soja cresceram mais moderadamente, com altas de 193,0%
(para US$ 5,179 bilhões) e de 118,4% (para US$ 5,855 bilhões) respectivamente.
As vendas de ouro brasileiro no exterior, por sua vez, aumentaram 620,3% no
período avaliado, passando de US$ 507,896 milhões para US$ 3,658 bilhões.

·  
Ao
mesmo tempo em que perdeu espaço nas exportações, a indústria de transformação
registrou um aumento expressivo de insumos e outros bens importados, que
passaram a responder por 18,4% do consumo doméstico de produtos industriais no
dado de 2018 – estatística mais recente divulgada pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI). Em 2003, início da série da instituição, essa fatia havia sido
de 10,3%.

·  
Mas
alguns setores foram mais afetados pela invasão dos importados. A indústria de
outros equipamentos de transportes percebeu uma elevação dos importados de
16,4% para 67,5%. Na indústria farmacêutica, essa participação avançou de 23,1%
para 40,3% e chegou a 30,2% na indústria de máquinas e equipamentos (saindo de
20,5% em 2003).