Indústrias mais próximas do consumo enfrentam dificuldade para superar crise

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 02 de abril de 2022

As cadeias do setor industrial colocadas mais próximas do consumidor final, com raras exceções, ainda não haviam conseguido retomar sequer os níveis observados antes da pandemia, em fevereiro de 2020, enfrentando dificuldades evidentes para engrenar algum crescimento, a despeito de oscilações na comparação mês a mês. A tendência, observada a partir dos dados trazidos pela pesquisa da produção industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pode ser relacionada ao comportamento da renda das famílias, afetada negativamente pelo avanço da inflação, pelos níveis ainda elevados do desemprego, da informalidade e do número de pessoas que, embora empregadas, ainda trabalhavam um número de horas insuficiente para assegurar uma remuneração mais digna (O Hoje, 31/03/2022).

Um fator adicional teria afetado o desempenho do setor industrial como um todo, a saber o recrudescimento da pandemia nos primeiros meses deste ano, causado pela variante Ômicron do Sars-CoV-2, que levou a novas descontinuidades logísticas para as cadeias de suprimento em todo mundo, interrompendo fluxos de fornecimento de peças, acessórios e componentes eletrônicos, além de elevar os índices de absenteísmo entre trabalhadores. A política de encarecimento do crédito, por meio de aumentos em sequência das taxas básicas de juros desde a segunda quinzena de março do ano passado, certamente vem cobrando seu preço a esta altura, refreando toda a atividade econômica.

As indústrias de fabricação de móveis, de courose calçados, confecções de artigos do vestuário e seus acessórios, produtos têxteis e de alimentos continuavam, em fevereiro deste ano, abaixo dos níveis produzidos em fevereiro de 2020, há dois anos, portanto, quando a pandemia ainda não havia se instalado no País. Pela ordem, as perdas variam de 23,0%, 21,1%, 18,0%, 12,0% e 0,4%, sempre tomando o segundo mês de 2020 como base para comparação. O setor de produção de farmoquímicos e farmacêuticos alcançou uma ligeira vantagem naquela comparação, avançando 1,2%.

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Renda mais curta

No primeiro bimestre deste ano, comparado aos dois primeiros meses de 2021, apenas a indústria de produtos alimentícios havia apresentado algum avanço, crescendo 1,7%. Os setores de móveis, couro e calçados e de produtos farmacêuticos haviam encolhido 30,7%, 20,9% e 11,0%. As indústrias de confecções e de produtos têxteis sofreram perdas de 20,9% e de 23,2%. As flutuações na renda das famílias têm impacto mais direto sobre esse conjunto de setores, onde o fator crédito tem menor peso (embora o efeito de seu encarecimento, via juros mais salgados, não possa ser desprezado). Nitidamente, o encurtamento da renda tem desestimulado o consumo daqueles bens, o que não tem favorecido o desempenho da indústria como um todo.

Balanço

  • Depois de cair 2,2% em janeiro, na comparação com o mês imediatamente anterior, já descontados fatores sazonais (feriados, festas de fim de ano), a produção industrial registrou elevação de 0,7% em fevereiro. A alta não chegou a repor as perdas observadas um mês antes, assim como o nível da produção realizada no segundo mês deste ano não foi suficiente para superar o mesmo período de 2021. De fato, a produção experimentou sua sétima queda mensal consecutiva, caindo 4,3%. Nos dois meses anteriores, também na comparação com idênticos períodos do ano passado, a produção havia despencado 5,0% (dezembro de 2021 sobre dezembro de 2020) e 7,2% (janeiro deste ano em relação ao primeiro mês de 2021).
  • “A despeito de acentuada oscilação dos resultados na virada do ano, este último resultado (fevereiro) coloca o setor no mesmo nível em que se encontrava em agosto de 2021, indicando as dificuldades de avançar de modo mais consistente”, conforme observa o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
  • Na passagem de janeiro para fevereiro, 16 entre 26 setores acompanhados pelo IBGE (ou seja, 61,5% do total) registraram variações positivas. Mas, na avaliação do Iedi, “apesar desta disseminação de variações positivas, o crescimento segue fraco. Tanto é que frente ao início do ano passado, as quedas persistem”. De fato, tomando fevereiro do ano passado como referência, 18 setores estiveram em baixa (69,2% do total) e apenas oito conseguiram apresentar algum crescimento.
  • Naquelas mesmas bases, o percentual de itens com alta na produção ficou limitado a 35,4%, o mais baixo para um mês de fevereiro deste 2016, quando o chamado “índice de difusão” havia alcançado apenas 31,9%.
  • A produção da indústria em geral mantinha-se 2,6% mais baixa do que em fevereiro de 2020, situação enfrentada, não por coincidência, por 18 setores (69,2% do total). Apenas em sete setores a produção conseguiu suplantar aquela realizada no mês imediatamente anterior ao começo da pandemia e um deles (metalurgia) ficou no zero e zero, ou seja, repetiu o mesmo volume produzido há dois anos.
  • Entre os grandes setores, a indústria de bens de capital (máquinas e equipamentos em geral, caminhões e ônibus) cresceu 1,9% na saída de janeiro para fevereiro, o que representou uma fração do tombo de 8,8% registrado no primeiro mês do ano. Em relação aos mesmos meses do ano passado, a produção no setor caiu 8,1% em janeiro e 5,0% em fevereiro.
  • A produção de bens intermediários, utilizados pela indústria como um todo, avançou 1,6% depois de recuar 1,3% em janeiro. Na comparação com o ano imediatamente anterior, o segmento chegou à sétima queda mensal consecutiva, com perda de 2,6% em fevereiro. Não por coincidência, a produção da indústria geral também cai há sete meses.
  • A indústria de bens duráveis, que havia sofrido retrocesso de 11,7% em janeiro (sobre dezembro), avançou 0,5% em fevereiro (frente ao mês anterior). Mas chegou à oitava queda mensal em sequência, agora na comparação com os mesmos meses do ano anterior. Em fevereiro deste ano, as perdas chegaram a 17,6% em relação ao segundo mês de 2021.