Inflação bem-comportada (mas BC resiste em acelerar queda dos juros)

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 30 de janeiro de 2024

As apostas no mercado indicam que o Banco Central (BC), por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), deverá manter o ritmo exasperante de redução dos juros básicos ao final de sua primeira reunião neste ano, a ser realizada entre hoje e amanhã. Se o roteiro dos bancos vier a ser confirmado pelo Copom, a taxa básica de juros deverá baixar mais meio ponto percentual, para 11,25% ao ano, indicando uma taxa real acumulada em 12 meses próxima de 7,4% se considerada a expectativa de uma inflação de 3,60% ao longo de 2024. Considerando a conjuntura econômica em cena, empresas, trabalhadores e suas famílias continuarão submetidos a um arrocho creditício, o que manterá as decisões de investimento e consumo sob restrição importante, esfriando a atividade econômica em geral.

O início de ano muito bem-comportado para os preços, com a inflação atingindo níveis até mesmo abaixo das expectativas dos mercados, sugere que o Copom poderia ousar um pouco mais e acelerar o ritmo de redução dos juros, sem que isso venha a alimentar novos focos inflacionários. Segundo o economista Ricardo Barboza, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) e mestre em economia pela PUC do Rio de Janeiro, os chamados “núcleos da inflação” vêm demonstrando bom comportamento ao longo dos últimos meses, atingindo níveis até mesmo ligeiramente abaixo do centro da meta inflacionária definida para 2024, com variação de 2,88% no acumulado em 12 meses.

Para registro, o centro da meta inflacionária foi reduzido para 3,0% neste ano, o que coloca os limites mínimo e máxima admitidos pela política (supostamente) de controle inflacionário entre 1,5% e 4,5% respectivamente. Como “detalhe”, menciona Barboza em post recente na plataforma X, o núcleo definido como EX-3, que inclui itens mais sensíveis às flutuações da demanda doméstica e teoricamente também à política de juros, “está rodando no piso do intervalo de tolerância”, com variação de 1,53%.

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O lobby, sempre o lobby

Alguns departamentos econômicos de bancos de investimento passaram a sugerir que talvez, quem sabe, o Copom tenderia a assumir uma posição ainda mais conservadora na reunião dos dias 30 e 31 de janeiro, revendo o anúncio anterior de perseverar em cortes de meio ponto percentual durante as reuniões previstas para o primeiro semestre. O argumento central, neste caso, estaria relacionado ao comportamento dos preços dos chamados “serviços subjacentes”, que exclui comunicações, cursos regulares e passagens aéreas. O indicador registrou elevação de 0,68% nas quatro semanas encerradas em 14 de janeiro, diante de 0,51% em todo o mês de dezembro, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de janeiro. A previsão dos mercados para a inflação dos “serviços subjacentes” girava ao redor de 0,45%. Supor uma inflexão ainda mais dura nos rumos da política monetária por conta da flutuação acima do esperado de um dos componentes da taxa de inflação em um único mês parece excessivo e mostra que o lobby dos juros altos continua em plena atividade, a despeito do processo já prolongado de “desinflação”, quer dizer, de esvaziamento das pressões que haviam contribuído para a alta da inflação em 2022.

Balanço

  • Parte dos focos de alta entre os itens que formam o segmento de “serviços subjacentes” parece ter vindo dos preços de serviços associados a veículos, alugueis e taxas de condomínio, mas com contribuição ainda de serviços médicos e de beleza, além de cuidados pessoais. Artigos de higiene pessoal, por exemplo, haviam experimentado variação de 0,19% em dezembro e passaram a subir 0,58% entre a segunda quinzena daquele mês e a primeira quinzena de janeiro. Essa alta explicou praticamente 7,4% do IPCA-15 deste mês.
  • O IPCA-15 de janeiro, como divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na semana passada, alcançou 0,31%. A despeito de toda a atoarda dos mercados, o índice ficou abaixo tanto da taxa de 0,40% registrada pelo IPCA-15 de dezembro quanto da alta de 0,56% alcançada pelo IPCA nos 30 dias do mês passado. O argumento sacado pelos mercados, neste caso, registra que a redução se deveu exclusivamente ao tombo nos preços das passagens aéreas, que de fato haviam se constituído num forte foco de pressão inflacionária nas semanas finais do ano passado.
  • Em dezembro, de fato, as passagens haviam experimentado salto de 8,87% e responderam por 14,1% do IPCA mensal. O item, de roda forma, já demonstrava desaceleração em relação aos meses anteriores, quando a alta havia sido de dois dígitos antes da vírgula. Mas nas duas primeiras semanas de janeiro, nos registros do IPCA-15, aqueles preços sofreram queda de 15,24% (permitindo pressupor que o fechamento do mês tenderá a trazer preços de passagens ainda mais baixos por conta da metodologia adotada no cálculo da inflação).
  • O grupo alimentação no domicílio respondeu por quase toda a inflação acumulada entre 15 de dezembro e 14 de janeiro ao subir 2,04% (saindo de variação de 1,34% nas quatro semanas de dezembro). Praticamente dois terços da alta dos alimentos concentraram-se em itens como batata-inglesa, tomate, arroz, frutas e carnes (que somados responderam ainda por 65,8% do IPCA-15 total).
  • Numa estimativa da coluna, com exclusão da alimentação em domicílio, energia (que recuou 0,14%), combustíveis (baixa de 0,63%) e passagens aéreas, os demais preços demonstraram desaceleração, saindo de variação de 0,29% em dezembro para 0,21% nas quatro semanas encerradas na primeira quinzena de janeiro. O cenário, portanto, continua favorável à uma continuidade da tendência de “desinflação”.