Inflação de abril pode mais uma vez “surpreender” os mercados

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 03 de maio de 2022

O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) encerrou as quatro semanas de abril em 1,08% depois de ter atingido 1,35% em março e bater em 1,84% nos 30 dias terminados no dia 15 do mês passado. A tendência veio na sequência da mudança da bandeira tarifária para a energia elétrica, antecipada pelo governo para 16 de abril exatamente para “melhorar” os dados da inflação já em abril. Inicialmente, a “bandeira verde” deveria entrar em vigor no final de abril, substituindo a bandeira de escassez hídrica, que deixava o custo da energia muito mais cara para as residências.

A inflação oficial, aferida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), segue outra metodologia e calendário, além de cobrir uma amostragem de produtos e de estabelecimentos que não coincide exatamente com os preços acompanhados pelo Ibre. De toda forma, a inflação parece ainda caminhar acima das previsões do mercado, que ajustou sua previsão para o IPCA de abril de 0,90% para 0,94% conforme a mais recente edição do relatório Focus do Banco Central (BC),destinado a aferir as “expectativas” do mercado em relação aos preços e à atividade econômica em geral e datado de 29 de abril.

Mesmo diante de pressões menores em áreas relevantes, a pesquisa do Ibre sugere que a inflação tende a se manter algum ponto acima das apostas do mercado financeiro – o que não corresponde exatamente a um comportamento rotineiro do setor, que sempre buscou lançar suas fichas em taxas inflacionárias muito mais “aquecidas” do que a realidade dos preços poderia mostrar. A manobra sempre teve como alvo o Comitê de Política Monetária (Copom), responsável por fixar a taxa básica de juros, que influencia o custo do crédito em toda a economia.

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Energia e alimentos

A taxa de variação do custo da energia, no acompanhamento do Ibre, havia alcançado 2,30% nas quatro semanas encerradas no dia 15 de abril e passou a cair a partir da terceira semana do mesmo mês, registrando redução de 2,08% na quadrissemana terminada em 22 de abril. Na medição seguinte, concluída em 30 de abril, a tarifa de energia passou a indicar queda de 6,78%. Os preços da gasolina passaram a subir menos, saindo de alta de 5,45% para 3,19% entre 22 e 30 de abril (sempre considerando períodos de quatro semanas terminados naquelas duas datas).Entre os grandes grupos de despesas, houve desaceleração para os preços dos alimentos, que chegaram a subir 2,10% nos 30 dias finalizados na primeira semana do mês passado e encerraram o mês com elevação de 1,58% (ainda uma taxa muito expressiva e que sinaliza novo arrocho para o orçamento das famílias de renda mais baixa. O grupo habitação, que vinha de alta de 1,81% até o final da primeira quinzena de abril, anotou redução de 0,69% nos 30 dias daquele mês, refletindo a redução na tarifa de energia (que representa alívio relativo para a renda das famílias).

Balanço

  • Com os preços da gasolina saindo de uma elevação de 5,45% até 22 de abril para 3,19% ao final do mês, o grupo transportes desaqueceu, com o IPC-S passando a indicar aumento de 2,13% para aquela categoria de despesas frente a 2,86% nas quatro semanas terminadas em 22 de abril (lembrando que os custos nesta mesma área já haviam apresentado salto de 3,60% até 15 de abril).
  • Despesas diversas saíram de alta de 0,84% para 0,70%, enquanto as despesas de comunicação mantiveram a tendência de taxas muito próximas de zero ou negativas.
  • As pressões se intensificaram, no entanto, para os grupos de vestuário, saúde e cuidados pessoais e educação, leitura e recreação. Pela ordem, considerando as quadrissemanas finalizadas em 22 e 30 de abril, a taxa de variação identificada pelo Ibre para aquelas despesas passou de 1,11% para 1,26% (sob pressão da alta de 1,42% nos preços das roupas femininas); de 0,80% para 1,14% (com salto de 4,12% para medicamentos em geral); e de 1,86% para 2,51% (diante do aumento de 14,38% registrado em apenas 30 dias pelas passagens aéreas, que já haviam subido 10,50% nas quatro semanas finalizadas em 22 de abril).
  • A expansão mais recente do crédito para empresas e pessoas físicas tem se dado sob custos crescentes, o que tenderão, mais à frente, a agravar o cenário de endividamento e comprometimento de renda das famílias especialmente (já que as empresas vêm de uma temporada de lucros expressivos e elevada geração de caixa). Enquanto os juros cobrados pelos bancos das empresas no empréstimo de recursos livres (quer dizer, sem taxas previamente fixadas por decisões de governo e/ou políticas públicas) subiu de 11,6% para 21,5% ao ano entre dezembro e 2020 e fevereiro deste ano (9,9 pontos de porcentagem a mais), os juros para pessoas físicas saltaram de 36,8% para 48,1% (11,3 pontos adicionais).
  • As taxas, que já eram absurdamente elevadas para uma inflação anual de 4,52% em 2020, continuam absurdamente elevadas mesmo quando considerada uma inflação de 10,54% acumulada nos 12 meses terminados em fevereiro deste ano. Na verdade, a taxa real de juros subiu mais do que proporcionalmente, tornando o crédito ainda mais caro – o que certamente afetará de forma negativa o ritmo da atividade econômica nos meses seguintes.
  • O nível de endividamento das famílias já havia subido de 40,3% em junho de 2020, nível mais baixo na série mais recente de dados do BC, para 52,6% em dezembro de 2021 e tende a crescer mais nos primeiros meses deste ano, considerando-se que a renda não tem acompanhado o mesmo ritmo de crescimento das dívidas. A fatia da renda comprometida com o pagamento de juros e prestações de financiamentos tomados pelas famílias elevou-se de 20,9% em julho de 2020 para 27,9% em dezembro do ano passado, dado mais recente divulgado pelo BC.