Coluna

Inflação em baixa, economia retraída, mas BC continua aferrado à sua “cartilha”

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 25 de junho de 2019

Num
caso de cegueira explícita, como demonstrado na ata do Conselho de Política
Monetária (Copom) divulgada ontem pelo Banco Central (BC), a equipe econômica e
certa corrente do pensamento econômico persistem na retórica em defesa da
manutenção da taxa básica de juros. No resumo geral desse tipo de pensamento,
que mal consegue avançar além de planilhas e modelos “macroeconométricos”, na
hipótese de o governo não conseguir fazer aprovar as reformas (entenda-se, no
caso, a reforma da Previdência), a economia implodiria e a inflação explodiria.
O final dos tempos está próximo, brada o beato Salu, enquanto o lado real da
economia continua atolado em crise e desemprego.

A
ata do Copom, tal como um edito real, aguardado com ansiedade e certa adoração
pelos mercados, até reconhece que a atividade econômica teria interrompido o
“processo de recuperação (???) nos últimos trimestres”, diante de “uma mudança
na dinâmica da economia após o segundo trimestre de 2018”, resultando no “leve
recuo” do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano, diante
“dessa perda de dinamismo e de alguns choques pontuais”. Mas, no segundo trimestre,
numa referência em tom mais otimista do que propriamente negativa, o Copom
considera que o PIB tenderá a “apresentar desempenho próximo da estabilidade”.

Mais
do que isto, como os membros do Copom acreditam que aqueles “choques pontuais”
foram dissipados e antecipam melhora nas condições financeiras, que depois de
terem sofrido “aperto relevante entre o segundo e o quarto trimestres de 2018,
já caminharam para terreno mais estimulativo”. Em aparente contradição, embora
o comitê reitere que “a conjuntura econômica prescreva política monetária
estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural (o que
significaria juros bem inferiores aos 6,50% fixados atualmente)”, conclui que o
“balanço de riscos prescreve manutenção da taxa Selic (os juros básicos) no
nível vigente” (ou seja, aqueles mesmos 6,50% ao ano).

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Cegueira ou
interesse?

A
equipe econômica, incluindo o BC no grupo, parece vítima de cegueira,
incapacidade de perceber o que acontece no lado real da economia? Ou será
apenas negócios como sempre, um mero jogo de interesses? O fato concreto é que
a política econômica não incluiu uma medida sequer para tentar enfrentar o
quadro de estagnação na economia, concentrando todas as apostas na “mãe de
todas as reformas” (quer dizer, na reforma da Previdência, que não terá, no
entanto, qualquer impacto sobre o curto prazo, o que significa dizer que não
vai trazer a recuperação esperada). O problema na economia não parece ser só de
“expectativas”, mas de falta de demanda, o que exigiria medidas para além da
simples liberação de recursos do PIS/Pasep e do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS).

Balanço

·  
As
taxas de inflação, como já esperado, vêm em queda desde abril e atingiram
agora, no acumulado em 30 dias até a segunda semana de junho, níveis muito mais
baixos do que em 2018 e, no caso do Índice Nacional de Preços ao Consumidor
Amplo 15 (IPCA-15), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
o menor para um mês de junho desde 2006.

·  
O
IPCA-15 de junho veio inclusive abaixo das previsões de mercado, com variação
de 0,06%. Em 12 meses, o índice saiu de 4,93% em maio para 3,84% (novamente
abaixo da meta oficial, fixada em 4,25% para este ano).

·  
Mais
do que isto, quando se analisa a variação dos chamados “núcleos” da inflação (que
excluem itens mais voláteis e consideram preços que refletem mais rapidamente o
ritmo da economia), observa-se um comportamento bastante favorável, com taxas
sempre inferiores à meta inflacionária.

·  
A
despeito de todos os choques de preços sofridos desde o ano passado (greve de
caminheiros, disparada do dólar e dos preços dos alimentos no começo deste ano,
entre outras pressões não recorrentes), as várias medidas do núcleo da
inflação, calculados pela equipe de macroeconomia do Itaú BBA, mostram que a taxa
acumulada em 12 meses flutuou entre 2,8% e 3,3% no
segundo semestre do ano passado, elevando ligeiramente para 3,7% até maio, para
recuar levemente para 3,5% em junho.

Dito de outra forma, todos os demais preços na
economia continuam apresentando comportamento muito favorável e não foram
“contaminados” pelos choques de alta observados em setores específicos da
economia. Mais claramente, há espaço de sobra para reduzir os juros ainda mais,
sem risco de recaída inflacionária.