Informalidade ajuda emprego a bater um recorde enganoso

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 01 de julho de 2022

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que o total de ocupações no trimestre março a maio deste ano teria alcançado um novo recorde na série histórica iniciada em 2012, o que deve ser tomado pela equipe do ministro dos mercados como uma recuperação completa do mercado de trabalho. Mas as séries estatísticas da pesquisa não corroboram esse tipo de avaliação, de resto enganosa e que pode induzir a mais erros na execução de uma política econômica já errática e equivocada.

O total de pessoas ocupadas de fato passou a somar 97,516 milhões, número mais elevado desde que a versão atual da PNADC foi iniciada, há pouco mais de uma década. Comparado aos três meses imediatamente anteriores (dezembro de 2021 a fevereiro deste ano), aquele número anotou variação de 2,4%, saindo de 95,234 milhões – o que representou a abertura de 2,282 milhões de novas ocupações. Frente ao trimestre encerrado em maio do ano passado, o crescimento chegou a 10,6%, correspondendo a 9,365 milhões de empregos a mais, considerando-se as 88,151 milhões de pessoas que exerciam algum tipo de ocupação há um ano.

Antes de sair por aí soltando rojões, as estatísticas deveriam ser analisadas considerando o contexto atual e ainda o cenário em vigor nesta área em anos anteriores, quando a economia rodava em clima mais ameno, menos sujeito a intempéries e destemperos, e a gestão econômica não havia sido terceirizada em favor do famigerado Centrão e suas emendas secretas. Um primeiro sinal de que alguma coisa ainda não está operando corretamente está no chamado nível de ocupação, que considera o número de pessoas ocupadas em relação à população economicamente ativa, com 14 anos ou mais de idade. Outro vem justamente do universo dos informais, trabalhadores sem direito a férias e ao adicional de um terço recebido por aqueles com carteira assinada, sem 13º salário, sem Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), sem Previdência e, portanto, sem aposentadoria.

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Atenção ao nível

O nível de ocupação (número de ocupados em relação à população com 14 anos ou mais) atingiu seu melhor momento ao final de 2013, quando, no trimestre entre setembro e novembro, a pesquisa do IBGE registrava que 58,46% daquele contingente dispunha de alguma forma de emprego, somando 92,0 milhões de ocupados, em grandes números. No trimestre março-maio de 2022, o nível de ocupação havia atingido 56,39%, quer dizer, 2,07 pontos de porcentagem mais baixo. Sob essa ótica, o total de ocupações ainda não poderia ser considerado como recorde. Para isso, o mercado de trabalho deveria ter criado 3,583 milhões de empregos a mais do que o número efetivamente gerado no período, o que elevaria o total de ocupados para alguma coisa em torno de 101,099 milhões de pessoas, perto de 3,5% acima do nível registrado até maio deste ano.

Balanço

  • Isso significa que um número proporcionalmente mais baixo da população em idade ativa tem conseguido colocação no mercado de trabalho. Uma série de comparações pode tornar essa constatação mais clara. Os dados a seguir comparam o trimestre março-maio deste ano com o trimestre setembro-novembro de 2013. A população com 14 anos ou mais passou de 157,384 milhões para 172,938 milhões, ou seja, quase 15,554 milhões a mais, numa elevação de 9,9%.
  • O total de ocupados, no entanto, cresceu bem menos, variando apenas 6,0% e passando de 92,0 milhões para aqueles 97,516 milhões já anotados acima, num acréscimo de 5,516 milhões. Portanto, em torno de 10,038 milhões de recém-chegados à idade de trabalhar não conseguiram nenhuma colocação. Quase 60% deles (mais precisamente 58,5%), num total de 5,872 milhões, deixaram o mercado, colocando-se fora da força de trabalho.
  • Aquele movimento fez com que o contingente de pessoas fora da força aumentasse praticamente 10,0% no período, saindo de 58,919 milhões para 64,791 milhões de pessoas, mantendo-se em torno de 37,5% da população com 14 anos ou mais.
  • Outra parcela ajudou a reforçar os números do desemprego, fazendo a população desocupada saltar 64,4% em pouco menos de nove anos. Os desempregados, que eram 6,465 milhões no trimestre setembro a novembro de 2013, atingiram um total de 10,631 milhões no trimestre finalizado em maio deste ano, com mais 4,166 milhões de desempregados. Por essas razões, a taxa de desemprego aumentou 3,2 pontos entre os dois períodos, avançando de 6,6% para 9,8%.
  • Em resumo, o ritmo de crescimento do emprego tem ocorrido em velocidade menor do que o aumento da população em idade de trabalhar, gerando taxas de desemprego ainda muito elevadas na série estatística mais recente da pesquisa. O incremento observado mais recentemente para as ocupações tem se dado muito em função da reabertura de atividades que haviam sido mais duramente atingidas pelas medidas de distanciamento social no início da pandemia e, em parte não desprezível, pelo avanço da informalidade.
  • Na medida do IBGE, que desconsidera trabalhadores sem carteira no setor público, mas inclui aqueles sem carteira no setor privado, empregados domésticos sem carteira, trabalhadores por conta própria e empregadores sem registro no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), em ambos os casos, o total de informais cresceu 12,5% na comparação entre o trimestre março-maio deste ano e igual período do ano passado, evoluindo de 34,776 milhões para 39,129 milhões – ou seja, perto de 4,353 milhões de trabalhadores a mais lançados na informalidade. Esse número correspondeu a 46,5% de todas as ocupações abertas no período em todo o mercado de trabalho.
  • As ocupações que demandam menor qualificação responderam ainda por dois terços daqueles que conseguiram emprego desde março-maio de 2021. Esse contingente saiu de 45,040 milhões para 51,256 milhões, num acréscimo de 6,216 milhões (alta de 13,8%).