Inverdades na ofensiva (golpista) dos Estados Unidos contra o País
O ataque inusitado da administração Donald Trump às instituições e, na essência, ao próprio sistema democrático brasileiro recebeu resposta mais do que adequada do governo brasileiro na esfera diplomática e despertou reações igualmente vigorosas da opinião pública e, de forma surpreendente, até mesmo de parte da grande imprensa corporativa. Estudam-se agora medidas para confrontar a aplicação de uma tarifa de 50% sobre as vendas brasileiras aos Estados Unidos a partir de 1º de agosto – se o tarifaço de fato vier a ser confirmado por um presidente que tem se mostrado tanto errático quanto pusilânime.
Entre as medidas que estariam sendo consideradas pelo governo brasileiro, poderão ser consideradas a quebra de patentes da indústria farmacêutica, restrições a remessas de lucros e dividendos, assim como a pagamentos por serviços tecnológicos, que não afetariam mais diretamente setores da economia que poderiam ser penalizados por eventuais aumentos de tarifas comerciais.
A carta corretamente devolvida pela diplomacia brasileira ao mandatário estadunidense apela a inverdades, afronta a Justiça brasileira, defende o golpismo instalado nas hostes bolsonaristas e busca ainda assegurar a impunidade das chamadas big techs mesmo diante de casos flagrantes de abusos e de uso ilegal das redes sociais, com suporte, portanto, a práticas classificadas como abusivas e criminosas pela legislação brasileira. O ataque duro e inédito ganha ainda cores de um golpismo pouco disfarçado, numa ofensiva que surge na sequência da reunião dos Brics no Brasil.
Como se sabe, a entidade reúne, além dos fundadores originais – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. E vem discutindo caminhos para fugir da dominância do dólar nas transações entre as nações, especialmente no chamado Sul Global.
Sem espaço
Na prática, as posições assumidas pelo governo dos EUA em sua carta deixam pouco espaço, se é que há algum, para conversações. Afinal, o que negociar? Trump acusa o Brasil de causar “prejuízos” aos EUA, por conta de um (falso) déficit comercial na relação bilateral em desfavor da economia estadunidense, e “exige” a suspensão do processo aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) contra o golpista mor e seus comparsas, numa tentativa abusiva de interferência em assuntos internos e um avanço mesmo contra a soberania do País.
Balanço
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A correspondência recorre a falsidades, o que torna a perspectiva de uma negociação quase uma impossibilidade. Nas últimas duas décadas, o Brasil exportou US$ 557,551 bilhões para os EUA, mas importou US$ 610,308 bilhões. Sob a ótica trumpista, a economia estadunidense acumulou um “lucro” de US$ 52,757 bilhões entre 2004 e 2024, correspondente a um déficit na mesma dimensão em desfavor do Brasil.
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A economia goiana, por sua vez, acumulou um déficit comercial de US$ 6,743 bilhões entre 2005 e 2024, refletindo a diferença de exportações de US$ 3,756 bilhões e importações quase três vezes mais elevadas, próximas de US$ 10,499 bilhões. No ano passado, o Estado realizou um déficit de US$ 239,949 milhões, com exportações de US$ 408,466 milhões – um recorde na série histórica – e importações de US$ 648,415 milhões.
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As vendas externas saíram de US$ 331,363 milhões em 2023, crescendo 23,27%, com as exportações de carne bovina congelada respondendo por 98,1% desse incremento. Entre 2023 e 2024, Goiás elevou as vendas do produto de US$ 74,743 milhões, em torno de 22,56% das exportações goianas totais para os EUA, para US$ 150,384 milhões, passando a responder por 36,82% dos embarques.
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No primeiro semestre deste ano, os sinais se inverteram e o Estado passou a anotar superávit de US$ 47,752 milhões, com exportações de US$ 337,429 milhões, num salto de 87,2% em relação ao mesmo período de 2024, e importações de US$ 289,677 milhões (queda de 17,24%). Somadas, as vendas de carne bovina congelada e fresca para os EUA atingiram US$ 208,712 milhões, saltando 246,76%. O setor passou a representar 61,85% de toda a exportação goiana para os EUA, que por sua vez foi destino de 24,53% da carne bovina exportada por Goiás.
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O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho, aferido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 30 de maio e 30 de junho, recuou ligeiramente para 0,24% (saindo de 0,26% tanto no fechamento de maio quanto nas quatro semanas finalizadas em 13 de junho).
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A redução veio ancorada na queda de 0,18% nos preços médios dos alimentos cobrados ao consumidor final, que haviam registrado certa acomodação já nas primeiras semanas de junho, num modesto recuo de 0,02% em 30 dias até a segunda semana do mês passado.
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Para comparação, o custo da alimentação e das bebidas havia experimentado alta de 1,14% na quadrissemana finalizada em 15 de abril último, o que sinaliza uma redução de 1,32 pontos percentuais num espaço de 10 semanas.
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O “estouro” da meta, considerando a inflação de 5,35% acumulada em 12 meses, acima do teto inflacionário estabelecido neste ano em 4,50%, tem ganhado destaque na imprensa (o destaque possível, diante do impacto bombástico dos ataques estadunidenses à democracia brasileira) num certo tom catastrofista. Na verdade, não existe de fato um cenário de escalada inflacionária. Olhando os dados num cenário de mais longo prazo, a taxa média anual do IPCA havia se elevado de 5,64% entre 2009 e 2013 para 6,25% no período entre 2014 e 2018. A taxa média acumulada em 12 meses desde janeiro de 2019 a junho de 2025 estacionou em 5,56%.
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Numa visão de longo prazo, portanto, o centro da meta inflacionária, fixado em 3,0% para este ano, surge muito distante da realidade e de certa maneira despropositado, já que seu cumprimento demandaria uma política de arrocho socialmente ainda mais indigesta, para dizer o mínimo.
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