Investimento do setor público atinge segunda pior marca na série histórica

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 06 de maio de 2022

O investimento realizado pelo setor público brasileiro atingiu no ano passado seu segundo pior resultado em toda a série histórica trabalhada pelo economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB).A série estatística cobre o período entre 1947 e 2021 e diz muito sobre o tamanho da crise enfrentada desde meados da década passada pela economia brasileira, marcada, entre outros fatores, pelo baixo investimento e virtual incapacidade para engrenar taxas de crescimento mais ambiciosas.

No ano passado, o setor público consolidado – incluindo governo federal, Estados, prefeituras e as estatais federais – investiu alguma coisa abaixo de R$ 178,323 bilhões, em queda nominal de 10,98% em relação aos R$ 200,322 bilhões investidos em 2020, o que por sua vez havia significado um salto de 32,14% frente a 2019. Esse crescimento relativo, no entanto, veio sobre uma base que havia sofrido queda de 16,1% na comparação com 2018. As flutuações anuais não alteram a tendência de longo prazo, que tem sido de baixa, conforme observa Pires ao comentar os números que compilou.

De fato, ainda em dados nominais, quer dizer, que não descontam o efeito da inflação a cada ano, o investimento do setor público como um todo estava, no ano passado, ainda 2,7% inferior aos R$ 183,305 bilhões registrados em 2010 e desabou nada menos do que 22,48% frente a 2014, quando os governos e suas empresas haviam investido perto de R$ 230,022 bilhões. A perda relativa de relevância do investimento público está retratada na série quando comparado ao investimento total na economia e ao Produto Interno Bruto (PIB), que tenta refletir o volume geral das riquezas produzidas a cada ano pelo País.

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Menos da metade

Em 2010, o investimento público respondeu por 22,97% do investimento total (formação bruta de capital fixo, no jargão utilizado pelos economistas) e representou ainda algo como 4,72% do PIB. Naquele mesmo ano, o investimento total anotou participação de 20,53% sobre o total das riquezas que o Brasil havia gerado. Desde lá, o setor público reduziu sua fatia no investimento geral a menos da metade, para algo em torno de 10,72%. A participação do investimento público no PIB baixou para 2,05% e foi maior apenas que a participação de 1,94% registrada em 2017, no pior resultado em sete décadas e meia. Os dados relativos mostram mais claramente o tamanho do desastre construído ao longo de anos por uma política continuada de “ajuste fiscal” e deixam evidente que o investimento geral poderia ser maior apenas se o setor público tivesse mantido a participação anotada no começo da década passada.

Balanço

  • Alguns exercícios hipotéticos, por conta e risco desta coluna, retratam o que poderia ter sido o desempenho do investimento total não fosse o arrocho imposto a esse tipo de despesa especialmente pelo governo central. Para que o investimento realizado pelo setor público voltasse a registrar a mesma participação alcançada em 2010, quando representou quase 23,0% do total investido em toda a economia, seria preciso mais do que dobrar os valores registrados no ano passado. Isso significaria elevar o investimento público para R$ 382,170 bilhões (ou seja, R$ 203,846 bilhões a mais, o que corresponderia a quase tudo o que a área pública investiu em 2020, primeiro ano da pandemia por aqui).
  • Ao acrescentar esse valor hipotético ao investimento geral, seu valor subiria para R$ 1,868 trilhão, passando a representar 21,51% do PIB, tornando-se o percentual mais elevado desde 1989, quando a economia em geral investiu qualquer coisa próxima a 26,9% do PIB – o que apenas reforça a imensa distância entre o final dos anos 1980 e o período atual.
  • No mesmo exercício, destacam-se o tombo relativo de 53,3% acumulado pelo investimento público desde 2010 e a queda de 6,6% observada para o investimento total, considerando a evolução da participação do primeiro no investimento geral e do segundo em relação ao PIB.
  • No curto prazo, Manoel Pires identifica como determinante para a queda do investimento público entre 2020 e 2021 o desempenho frustrante das empresas estatais, “que atingiram o menor valor da série histórica”, incluindo dados a partir de 1995. Considerando uma série mais longa, o investimento das estatais federais no ano passado, em relação ao PIB, só foi maior do que em 1956, quando havia somado 0,43%. Entre 2020 e 2021, aquela relação baixou de 1,14% para 0,66% do PIB.
  • Em valores nominais, as estatais investiram apenas R$ 57,504 bilhões no ano passado, reduzindo-se em quase um terço (32,72% a menos) em relação a 2020, ano em que aquelas empresas haviam investido ao redor de R$ 85,466 bilhões.
  • “O que surpreende nessa queda é baixa taxa de execução dos investimentos em relação ao que estava programado para o ano”, anota Pires. Responsável pela maior parcela do orçamento de investimentos das estatais, a Petrobrás investiu apenas 38% do valor autorizado, ou seja, R$ 47,861 bilhões de um total de R$ 126,100 bilhões. A Eletrobrás, por sua vez, investiu 57,4% dos R$ 7,114 bilhões autorizados, com gastos inferiores a R$ 4,087 bilhões. Na média geral, as estatais federais conseguiram investir somente 39,7% dos valores orçados, quer dizer, investiram R$ 57,504 bilhões de um orçamento total de R$ 144,806 bilhões.
  • Diante do baixo investimento realizado por todo o setor público, o chamado “estoque de capital” nesta área tem se deteriorado e perdido valor. Em outros termos, a depreciação daqueles ativos tem sido superior ao valor que tem sido investido, gerando perdas de qualidade para a infraestrutura disponível e ainda pelos serviços fornecidos pelo setor público. Entre 2016 e 2021, as perdas acumuladas somam algo próximo a R$ 127,811 bilhões. Mais claramente, apenas para manter o “estoque de capital” atualizado seria preciso investir 71,7% mais do que em 2021.