Investimento em saúde atinge nível mais baixo em cinco anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de junho de 2021

A visão fiscalista que predomina dentro e fora do governo, mesmo em meio a mais grave crise sanitária da história, com mais de meio milhão de vítimas fatais, já havia levado a equipe econômica a impor um corte de R$ 24,6 bilhões no orçamento autorizado neste ano para bancar as ações e os serviços públicos em saúde. A valores atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pelo Senado, o orçamento saiu de R$ 199,5 bilhões em 2020 para R$ 174,9 bilhões neste ano, em torno de 12,3% a menos em termos reais. Ainda no ano passado, as despesas efetivamente pagas, incluindo restos a pagar também pagos, somaram R$ 170,7 bilhões, o que significa dizer que R$ 28,8 bilhões do total autorizado deixaram de ser gastos, o que apenas reforça o descaso e ausência de coordenação de planejamento observados desde o começo da pandemia.Os recursos autorizados para investimentos federais em saúde foram reduzidos para R$ 3,5 bilhões neste ano, atingindo o nível mais baixo pelo menos desde 2016 e desabando quase 48,0% em relação aos R$ 6,7 bilhões fixados para 2020.

As despesas pagas com a “função saúde”, na classificação orçamentária oficial, não apenas não registraram qualquer crescimento até maio deste ano, como encolheram em valores reais. Incluindo o pagamento de restos a pagar, as despesas desembolsadas efetivamente pelo governo federal baixaram de R$ 63,6 bilhões nos cinco primeiros meses do ano passado para R$ 62,1 bilhões no mesmo período deste ano, num recuo de 2,4% (ou R$ 1,5 bilhão a menos, como se a crise sanitária tivesse abrandado, o que, obviamente, não ocorreu).

O congelamento em termos reais da execução orçamentária, imposto pelo teto de gastos, estima Alexandre Padilha, deputado federal (PT/SP) e ex-ministro da Saúde, retirou do sistema em torno de R$ 20,0 bilhões apenas em 2019. A série de mudanças ocorridas nos últimos anos nos critérios definidos pela Constituição para o cálculo do piso mínimo de despesas no setor, aponta a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, reduziu a participação do governo federal no financiamento do SUS de 60% para praticamente 42% entre 2000 e 2019, sobrecarregando Estados e prefeituras. Considerando os critérios fixados pelo artigo 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), Graziane estima que a despesa mínima da União no setor deveria mais do que dobrar, saindo dos R$ 123,8 bilhões fixados na lei orçamentária de 2021 para R$ 261,2 bilhões, o que pressupõe uma redução inconstitucional de pelo menos R$ 137,4 bilhões.

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SUS ameaçado

Em meio a restrições orçamentárias e negacionismo, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta um dos momentos mais dramáticos desde sua criação, pressionado pela pandemia do novo coronavírus e ameaçado pelas políticas de austeridade fiscal que têm dominado a agenda econômica. A crise sanitária, com toda a carga trágica gerada pela escalada de casos de contágio e de mortes, mostrou que o sistema é essencial. “Se não fosse o SUS,estaríamos numa situação muito pior noenfrentamento da pandemia. Extremamente pior”, afirma ZelieteZambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).

Balanço

  • Os desafios à frente, no entanto, oferecem um cenário pelo menos muito complicado, caso essa mesma sociedade não demonstre capacidade de mobilização para convencer o governo, qualquer que seja o presidente, a reservar fatias crescentes de recursos para fazer frente às necessidades urgentes na área da saúde.
  • Segundo Rudi Rocha, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (Eaesp/FGV) e diretor de pesquisa do Instituto de Estudos em Políticas de Saúde (Ieps), diante da ausência de uma mobilização efetiva, “vamos sofrer as consequências com aumento da iniquidade, segmentação ainda maior no financiamento do setor e aumento das tensões entre os entes da federação sobre a responsabilidade de cada um no financiamento do sistema”.
  • Na atualização mais recente, os cálculos de Rocha projetam um aumento das despesas com ações e serviços de saúde em todo o País de 9,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 para 12,5% em 2060. No cenário base, que pressupõe um crescimento anual médio de 1,8% para o PIB e um avanço quase equivalente entre os setores público e privado, as despesas do governo geral nesta área sairiam de 3,9% (algo como 41,3% do total) para 5,3% em 2060, alcançando perto de 42,4%de tudo o que todo o País gastará em saúde. A estimativa sugere uma necessidade adicional de recursos, a partir de 2017, na faixa de R$ 1,13 trilhão, dos quais perto de R$ 479,0 bilhões teriam que vir do governo federal, dos Estados e municípios.
  • Consideradas as pressões para estender o teto de gastos já imposto à área federal para governos estaduais e municipais, o congelamento em termos reais das despesas na União, nos Estados e nas prefeituras reduziria os recursos destinados à saúde pelo setor público como um todo para apenas 1,8% do PIB em 2060, praticamente a mesma fatia observada atualmente nos países da África Subsaariana (1,86% do PIB).
  • Como proporção do gasto total em saúde, a fatia do setor público estaria reduzida a apenas 14,4% (ou seja, 26,9 pontos de porcentagem abaixo da participação registrada em 2017). Conforme Rocha, a mensagem por trás das projeções, de toda forma, é positiva. “Embora precisemos acrescentar pouco mais de três pontos do PIB nos gastos até 2060, isso é factível. É um esforço que precisamos fazer e é possível”, reforça o pesquisador.
  • Analisado de forma consolidada, o gasto em ações e serviços de saúde no Brasil equipara-se ao percentual médio observado para os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pouco acima de 9,0% do PIB. A discrepância surge quando esses dados são desagregados. O setor privado, que realizou perto de 58,7% das despesas em saúde em 2017, atende apenas um quarto da população, cabendo ao SUS todo o restante – embora o sistema tenha participado, naquele ano, com 41,3% dos gastos totais.