Investimento total da União deve despencar pela metade em 2023

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de outubro de 2022

Parte da política de desmanche do setor público em curso desde o governo Michel Temer e aprofundada pelo desgoverno que o sucedeu, os investimentos totais da União deverão mergulhar em queda histórica no próximo ano, a se considerar a proposta de lei orçamentária anual encaminhada ao Congresso pela equipe do ministro dos paraísos fiscais. Mais uma vez, na última matéria da série que buscou detalhar os resultados apresentados pelo trabalho “Uma tragédia anunciada: Teto de gastos e os cortes nas áreas sociais”, os dados apurados pelas economistas Carolina Resende e Esther Dweck, do Grupo de Economia do Setor Público (Gesp) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), autoras do estudo, mostram que o investimento deverá sofrer um corte adicional de 50,4% no próximo ano, comparado ao orçamento fixado para este ano.

O projeto orçamentário prevê investimentos de apenas R$ 22,4 bilhões em 2023, o que deverá se tornar o nível mais baixo de toda a série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Na comparação entre o investimento realizado em 2014, na faixa de R$ 94,130 bilhões em termos reais, o tombo deverá ser de 76,2%, numa perda de R$ 71,730 bilhões. Até 2021, quando o governo investiu em torno de R$ 53,2 bilhões, o investimento já havia encolhido aproximadamente 43,0% também em relação aos valores executados em 2014.

Evidentemente, o desmonte do investimento traz consequências graves para a infraestrutura construída ao longo das últimas décadas com a contribuição de recursos públicos. Segundo especialistas, o nível registrado nos últimos anos pelo investimento público no País não tem sido suficiente para sequer repor o desgaste (depreciação, na terminologia mais técnica) sofrido pelas estruturas instaladas, fator que estaria por traz da queda de pontes, da deterioração de estradas e rodovias, entre outros ativos, contribuindo para aumentar custos para toda a economia, além de amplificar os riscos de desastres, ameaçando a segurança da população e degradando sua qualidade de vida, em última instância.

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Racionalidade rifada

As economistas Carolina Resende e Esther Dweck chamam a atenção para um ponto relevante em todo esse processo, que vai um pouco além do desmonte perpetrado, jogando no lixo qualquer veleidade de racionalidade na gestão dos investimentos públicos. A participação crescente das emendas parlamentares na execução daqueles investimentos, especialmente depois da criação do tenebroso “orçamento secreto”, indica perda de transparência e eficiência, assim como da impessoalidade e da moralidade que deveriam orientar a gestão pública, imprimindo ainda uma percepção de ilegalidade no processo.

Balanço

  • Em 2014, retomam Carolina e Esther, as emendas responderam por 10% do investimento realizado. Mas essa fatia saltou para 42% em 2020, girando ao redor de 39% no ano seguinte. “Esse aumento substancial é um reflexo das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto. Ou seja, parlamentares alinhados ao governo tiveram grande volume de recursos para direcionar para obras locais, em projetos desarticulados de programas federais, sem critérios técnicos ou socioeconômicos definidos”, constatam as autoras do trabalho.
  • Nos dados da STN, atualizados com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) até agosto deste ano, os investimentos caíram perto de 38,1% na comparação entre os 12 meses encerrados em agosto do ano passado e o período de 12 meses imediatamente seguinte, encolhendo de R$ 92,801 bilhões para R$ 57,479 bilhões.
  • Considerando idêntico período (setembro do ano anterior a agosto do ano seguinte), o investimento realizado neste ano foi o mais baixo da série mais recente da STN, iniciada em 2008. Em relação aos quase R$ 123,343 bilhões investidos em 12 meses até agosto de 2014, a queda chega a 53,40%, num corte radical de R$ 65,863 bilhões.
  • A investida contra o orçamento atingiu fortemente os mais vulneráveis ao impor um corte de 54% nas despesas com a assistência social entre 2016 e 2021, que baixaram de R$ 6,4 bilhões para R$ 2,9 bilhões em valores reais, numa retração de R$ 3,4 bilhões quando considerados os gastos de fato executados.
  • Os recursos destinados à “função cultura” foram igualmente “alvo constante de cortes orçamentários desde 2015”, anotam as economistas, “mas especialmente desde 2016, quando há um aprofundamento do desmantelamento do setor”. A previsão orçamentária para a cultura em 2023, na faixa de R$ 1,1 bilhão, lançará a despesa nesta área para seu “mínimo histórico”, considerando a série iniciada em 2014, quando os gastos executados haviam alcançado R$ 5,1 bilhões em valores de hoje. A cultura terá à disposição, neste caso, apenas 22% dos recursos autorizados para 2014, correspondendo a uma redução de 78% e perda de R$ 4,0 bilhões em grandes números.
  • Carolina e Esther lembram que o Congresso chegou a aprovar neste ano a Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (Lei nº 14.399, de 8 de julho passado), com previsão de aportes anuais de R$ 3,0 bilhões ao longo de cinco anos a partir de 2023. O início da vigência da lei foi adiado para 2024 pela Medida Provisória nº 1.135, também deste ano. A mesma medida cortou indenizações de R$ 2,5 bilhões ao setor cultural, previstas na Lei 14.148, de 3 de maio de 2021, por conta dos efeitos da pandemia. Da mesma forma, a medida provisória desobrigou o repasse a Estados e municípios de R$ 3,8 bilhões a título de apoio financeiro à cultura. Tudo somado, o governo retirou da cultura R$ 9,3 bilhões.
  • A execução de despesas destinadas às políticas de enfretamento à violência contra as mulheres chegou a zero (isso mesmo, zero) em 2019, 2021 e 2022, somando nada mais, nada menos do que R$ 80,0 mil em 2020.