Investimentos do governo em meio ambiente desabam 93% desde 2014

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 14 de outubro de 2022

O “novo regime fiscal” instituído a partir de 2017, com base na Emenda Constitucional 95, que fixou o teto de gastos para o orçamento da União, tem operado um drástico desmonte das políticas sociais que vigoravam até então, atingindo áreas sensíveis para os interesses maiores do País, como o meio ambiente, e setores estratégicos, a exemplo da educação superior e da pesquisa científica e tecnológica. O desmanche em curso desautoriza, como já registrado neste espaço, qualquer laivo de racionalidade e mesmo de “eficiência” na gestão fiscal, principalmente quando se considera que as despesas com juros do governo central acumulam em alta de 56,09% nos 12 meses terminados em agosto deste ano, significando um gasto adicional de R$ 187,261 bilhões. Para comparar, esse tipo de gasto saltou de alguma coisa abaixo de R$ 333,848 bilhões entre setembro de 2020 e agosto de 2021 para R$ 521,106 bilhões nos 12 meses imediatamente seguintes, saindo de 4,0% para 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

No trabalho “Uma tragédia anunciada: Teto de gastos e os cortes nas áreas sociais” as economistas Carolina Resende e Esther Dweck, do Grupo de Economia do Setor Público (Gesp) do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), retratam um cenário de terra arrasada, literalmente, na área de meio ambiente. Considerando o orçamento total, o Ministério do Meio Ambiente “deve operar [em 2023] com praticamente metade dos recursos previstos em 2014, em termos reais”, registra o estudo. “A área de meio ambiente também foi esvaziada pelo governo federal”, alertam ainda Carolina e Esther.

Desastre ambiental

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Os números levantados pelas economistas mostram que o orçamento daquele ministério, que havia alcançado em torno de R$ 5,5 bilhões em 2014, despencou para R$ 2,9 bilhões na proposta orçamentária depositada no Congresso pela equipe econômica do ministro dos paraísos fiscais. Os números registram perda de R$ 2,6 bilhões no setor, num corte de 47,3%. Mas fica pior quando os dados são desagregados segundo a natureza das despesas, levando-se em conta as despesas de livre provimento pelo governo federal, também classificadas como discricionárias. As despesas correntes, em igual intervalo, sofreram redução de 60% em termos reais, o que significa dizer que o ministério contará com apenas 40% dos recursos de que dispôs há nove anos. A situação torna-se ainda mais grave, registram as economistas, quando se verifica que os investimentos no setor serão achatados em nada menos do que 93,3%, encolhendo de R$ 336,7 milhões em 2014 para apenas R$ 22,7 milhões em 2023 – quer dizer, o Ministério do Meio Ambiente terá disponíveis para investir apenas 6,7% do investimento executado em 2014.

Balanço

  • A obra de desmanche do setor público atinge praticamente todas as áreas identificadas com algum objetivo econômico ou social mais amplo. Sem tréguas. No ensino superior, “a política de cortes foi agravada desde 2019” e levará as 69 universidades federais a registrar, em conjunto, perdas de R$ 13,6 bilhões entre 2014, quando havia sido registrado o maior valor da série histórica, e 2023. Aquelas instituições dispunham de algo em torno de R$ 66,4 bilhões em 2015 e terão R$ 52,8 bilhões no próximo ano, numa redução de 20,5% em termos reais. O orçamento nesta área tem sido sustentado quase exclusivamente por conta de gastos obrigatórios, não sujeitos a cortes (em princípio), relacionados, num exemplo, à folha de salários e encargos.
  • As despesas correntes das 69 universidades incluídas na proposta orçamentária para o próximo ano serão reduzidas para seu “mínimo histórico”, atingindo R$ 6,9 bilhões, frente a R$ 12,6 bilhões em 2014, correspondendo a uma perda de R$ 5,7 bilhões, num corte de 45,2%. Em outros termos, as federais terão pouco mais da metade dos recursos que administraram há nove anos, como se o País tivesse sofrido não só uma estagnação desde lá, mas tivesse entrado em retrocesso – o que de fato já vem ocorrendo dada a política fiscal suicida adotada nos últimos anos.
  • Como se fosse possível, a situação agrava-se ainda mais quando se observa o tombo de 93% nos recursos destinados a investimentos na área das universidades federais. Mais claramente, o setor terá acesso a apenas 7% dos recursos que chegou a investir em 2014, algo na faixa de R$ 5,5 bilhões. No próximo ano, os recursos propostos minguaram absurdamente para R$ 367,2 milhões.
  • Numa sequência que guarda toda lógica, considerando-se o desgoverno de Brasília, a área de ciência e tecnologia sofreu “o maior desfinanciamento”, quando considerados os recursos discricionários efetivamente gastos. Entre 2016 e 2021, a execução orçamentária de despesas de livre provimento foi reduzida em 59%, despencando de R$ 8,0 bilhões para R$ 3,4 bilhões.
  • A área de pesquisa tem sido igualmente sucateada. O orçamento definido para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em 2023 “corresponde a 29% do volume de recursos previsto em 2015, no pico da série histórica de 2014 a 2023”. Os recursos murcharam quase 72,0% no período, encolhendo de R$ 11,7 bilhões em 2015 para R$ 3,3 bilhões, menos de um terço do total orçado há oito anos.
  • No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o corte atingirá 61% desde 2014, com o orçamento caindo de R$ 3,5 bilhões para R$ 1,3 bilhão em 2023. Segundo a Associação de Docentes da UFRJ, as bolsas de pesquisa não sofrem qualquer reajuste há nove anos. Se em 1995 uma bolsa de doutorado “equivalia a dez salários mínimos ou 12 cestas básicas”, neste ano, os valores foram reduzidos para 1,8 salários mínimos ou três cestas básicas.