Coluna

Isso é reação? Produção da indústria só é maior do que na pior fase da crise

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 04 de setembro de 2020

A
não ser que você faça parte da equipe econômica ou alinhe-se aos performáticos
economistas a soldo do mercado financeiro, será preciso fazer um tremendo
exercício para enxergar a tal “recuperação em V”, antevista nas estatísticas
econômicas recentes pelo superministro dos negócios. Depois de crescer três
meses consecutivos, a produção industrial mantinha-se, em julho passado, em torno
de 6,0% abaixo dos níveis de fevereiro, quer dizer, antes
que a pandemia abatesse a indústria e toda a economia a partir da segunda
metade de março.

Esse
crescimento, na verdade, ocorre apenas na comparação com os piores momentos da
crise (até aqui, pelo menos, quando subtraído o risco de uma recaída nos casos
de contaminação e de mortes). Em maio, junho e julho, na comparação com os
meses imediatamente anteriores, a produção avançou, pela ordem, 8,7%, 9,7% e
8,0% (dado que já sugere uma desaceleração “na margem”, como gostam os
economistas, querendo dizer apenas que a taxa de crescimento mês a mês
registrou alguma perda de força).

Na
comparação anual, ou seja, frente aos mesmos meses do ano anterior, segundo a
pesquisa mensal da produção industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), os números continuam muito negativos e o ritmo das perdas
só tem se mostrado menos intenso em relação aos piores meses da crise. Naquela
mesma ordem (maio, junho e julho), a produção caiu 21,8%, 8,8% e 3,0% –
passando a acumular uma retração de 9,6% nos primeiros sete meses deste ano em
relação a igual intervalo de 2019. Na observação do Fator, ao longo dos sete
primeiros meses do ano, as taxas positivas concentraram-se “em insumos da
construção, mineração e (bens) intermediários” – com destaque para petróleo
processado e biocombustíveis.

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Os
problemas enfrentados pela indústria, conforme já anotado neste espaço, vêm de
antes mesmo da pandemia, tanto que a produção chegou, em julho deste ano, a sua
nona queda mensal consecutiva. Nos últimos 12 meses, contados a partir de
agosto de 2019, houve ganhos apenas em setembro e outubro daquele ano, quando a
produção avançou 1,1% e 1,3% diante dos mesmos meses em 2018. Desde outubro de
2019, a produção caiu 6,1%, com baixa de 6,9% para a indústria de
transformação.

Perdas e perdas

A
produção na indústria de transformação cresceu 13,1%, 10,4% e 8,6%, na
sequência maio, junho e julho, diante dos meses imediatamente anteriores e
ficou 23,7%, 9,8% e 3,6% menor do que maio, junho e julho do ano passado,
respectivamente (lembrando que as taxas negativas se sobrepõem a quedas muito
expressivas da atividade industrial nos meses anteriores). A perda acumulada no
ano atingiu 10,6%. Numa perspectiva de prazo mais longo, tomando o índice
mensal do IBGE, já descontados fatores sazonais (que sempre ocorrem nos mesmos
períodos do ano), o nível de produção da indústria como um todo encontrava-se,
até julho deste ano, 17,2% abaixo daquele observado na média de 2012. Para a
indústria de transformação, a diferença chegava a 18,2%, com tombo de
impressionantes 51,0% para o setor de veículos. A produção nesta área,
considerando as séries estatísticas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), foi a mais baixa para um mês de julho desde 2003, quando
a indústria automotiva colocou na praça 130,930 mil unidades. Em julho deste
ano, a produção bateu nos 170,287 mil veículos, com salto de 73,0% frente a
junho, mas 36,2% inferior ao volume produzido em julho do ano passado.

Balanço

·  
O
Banco Fator considera que as perdas da indústria deverão ser zeradas neste mês
e espera que o terceiro trimestre apresente números mais positivos do que no
segundo, o que não assegura crescimento em relação ao ano passado e mesmo ao
período imediatamente anterior à pandemia. Ainda que a taxa de incremento anual
tenha interrompido a trajetória de agravamento observada nos últimos meses, “o
retorno ao nível anterior à pandemia ainda vai demorar”, sugere o banco.

·  

muita incerteza ainda, pondera o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi), em relação ao futuro imediato. “O que ainda não se sabe é
qual será o padrão de crescimento a partir deste ponto. E isso é importante, porque
a atual crise se sobrepôs à de 2014-2016”, observa o instituto. De fato, a
indústria vive uma crise dentro de sua crise, iniciada ainda antes da recessão
anterior, quando oscilava entre números modestamente positivos e quedas
sequenciais da produção.

·  
“Com
bases de comparação mais altas (ao longo de 2019) e redução dos programas
emergenciais do governo, o dinamismo mesmo que positivo pode vir a ser modesto”,
prossegue o Iedi. “Isso porque, na ausência de vacina ou tratamento eficaz para
a Covid-19, ainda haverá desdobramentos negativos da pandemia, como desemprego
elevado, rendimentos mais modestos para algumas famílias, agentes endividados,
comércio internacional combalido e grandes incertezas em relação futuro”.

·  
A
despeito de uma aparente melhoria nos números mensais, sempre em relação aos
níveis ineditamente baixos determinados pela pandemia, os indicadores de
investimento continuam muito limitados. A produção de bens de capital
(máquinas, equipamentos e instalações industriais) saltou 30,7% em junho e
15,0% em julho, na comparação com os meses anteriores, e ainda assim manteve-se
20,3% abaixo da produção realizada entre janeiro e julho de 2019. Em julho, a
produção de máquinas e equipamentos estava 9,2% abaixo dos níveis registrados
em fevereiro e 10,0% menor do que em julho do ano passado.

·  
As
atividades de manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos,
outro indicador do ânimo empresarial para reformar suas fábricas e implantar
maquinário novo, desabou 21,2% também em relação a julho de 2019, com retração
acumulada de 16,3% nos sete meses iniciais deste ano.

·  
Na
visão do Banco Fator, “a produção de bens de capital é o principal indicador da
limitada recuperação da economia. Se as categorias mais ligadas à renda
corrente estão conhecendo recuperação relevante, embora longe de retornar aos
níveis de antes da pandemia, as categorias mais ligadas à criação de nova renda
e de determinação da renda futura estão em contração acumulada ou em
crescimento em torno de zero”. E acrescenta: “O comportamento da produção de
bens de capital sob encomenda sugere que as encomendas foram interrompidas,
sinal preocupante para a recuperação da atividade”.