Juros detonam déficit nominal do governo central em junho

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de julho de 2024

Os dados do Banco Central (BC) deixam pouco espaço para dúvidas a respeito do real impacto da política de juros altos, executada pelo próprio, sobre as contas do setor público e, mais especialmente, sobre o balançoentre receitas e despesas do governo central – entidade que reúne o governofederal e o mesmo BC, já contabilizando igualmente as contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O resultado nominal do governo geral, que inclui a União, os governos estaduais, prefeituras e estatais, foi literalmente detonado em junho pela escalada das despesas com juros, agravadas pelas perdas do BC nas operações de swap (troca, em tradução livre do inglês) realizadas na B3 – a Bolsa de Valores brasileira, estacionada na região central da capital paulista.

Nesse tipo de transação, o BC assume o risco cambial e acaba sofrendo prejuízos quando o real se desvaloriza em relação ao dólar. Foi o que ocorreu em junho deste ano. Ao longo do mês, pelo conceito de caixa, que mensura o impacto efetivo daquelas operações sobre o resultado do BC, a autoridade monetária realizou um prejuízo de R$ 28,608 bilhões, o que se compara com um ganho de R$ 20,462 bilhões registrado no mesmo mês do ano passado. Entre um período e outro, registrou-se um impacto negativo de R$ 49,070 bilhões, portanto, considerando o ganho que o BC deixou de ter e a perda de fato sofrida.

A mudança de sinais trouxe um reflexo extremamente negativo sobre as despesas com juros do BC e, portanto, sobre o seu resultado nominal, “contaminando” o desempenho fiscal de todo o setor público (mas especialmente do governo central). A nota sobre a política fiscal divulgada ontem pelo BC mostra uma redução no déficit primário do setor público como um todo, que reflete a diferença entre receitas e despesas, excluindo receitas de caráter financeiro e gastos com juros e amortizações. Em junho do ano passado, havia sido anotado um déficit de R$ 48,899 bilhões, número reduzido para R$ 40,873 bilhões no mesmo mês deste ano, numa redução de 16,41% (ou seja, R$ 8,026 bilhões a menos, em valores não atualizados pela inflação).

Continua após a publicidade

Rombo em queda

O déficit primário do governo central (União, Previdência e BC) encolheu 13,54%, saindo de R$ 46,480 bilhões para R$ 40,188 bilhões, numa redução equivalente a R$ 6,292 bilhões. A queda foi influenciada pela retração no déficit da Previdência naquele mês, que caiu de R$ 51,7 bilhões para R$ 44,899 bilhões (quer dizer, R$ 6,801 bilhões a menos, em baixa de 13,15%). A queda do rombo ocorreu num período de acirramento da retórica “austericida”, num mês marcado pela escalada da retórica em defesa de um ajuste fiscal que traga achatamento de despesas com educação, saúde e programas assistenciais direcionados aos mais pobres.

Mas a redução do déficit primário veio acompanhado de um salto no déficit nominal, que considera também as despesas com juros.

Balanço

  • Na verdade, os reflexos de um rombo mais baixo foram virtualmente anulados (ou invertidos) pela disparada das despesas com juros, turbinadas, por sua vez, pelas perdas bilionárias do BC nas operações de swap. Considerando o setor público como um todo, o valor total gasto com juros nominais disparou de R$ 40,726 bilhões para R$ 94,851 bilhões entre junho de 2023 e o mesmo mês deste ano, em alta de 132,9%.
  • Por conta disso, o déficit nominal daquele mês registrou alta de 51,44% na comparação com o sexto mês do ano passado, subindo de R$ 89,625 bilhões para R$ 135,724 bilhões, quer dizer, perto de R$ 46,099 bilhões a mais. Vale dizer, o aumento do rombo foi integralmente explicado pelas despesas com juros.
  • No governo central, que inclui as contas do BC (além do Tesouro e da Previdência), o estrago dos juros foi ainda mais severo, já que esse tipo de gasto disparou de R$ 33,305 bilhões para R$ 86,383 bilhões, significando um incremento nominal de 159,37% (quer dizer, nada menos do que R$ 53,078 bilhões a mais). Ainda em junho, o resultado nominal do governo federal ficou deficitário em R$ 126,572 bilhões, o que se compara com o déficit de R$ 79,784 bilhões no mesmo mês do ano passado, em alta de 58,64% (perto de R$ 46,788 bilhões a mais).
  • A conta dos juros no BC, que havia sido superavitária em R$ 6,952 bilhões em junho do ano passado, passou a anotar déficit de R$ 35,020 bilhões no mesmo mês deste ano, o que significou uma reviravolta correspondente a R$ 41,972 bilhões (principalmente em função das perdas realizadas no mercado de swap de câmbio). Esse aumento contribuiu com pouco mais de 79,0% para o aumento das despesas com juros do governo central.
  • Com proporções diversas, os mesmos fatores atuaram para a piora do resultado nominal no primeiro semestre deste ano, quando o déficit de todo o setor público chegou a R$ 498,225 bilhões, aproximando- se de 8,91% do Produto Interno Bruto (PIB). Houve um incremento de 39,29% diante do déficit de R$ 357,691 bilhões acumulado em igual período de 2023 (correspondendo a 6,77% do PIB). No governo central, o déficit nominal cresceu 44,26%, de R$ 330,188 bilhões para R$ 476,331 bilhões. O desempenho negativo foi agravado pela conta de juros, mais uma vez.
  • No caso do setor público, os juros passaram a consumir R$ 454,777 bilhões nos primeiros seis meses deste ano, algo como 8,13% do PIB. O dado compara-se com o gasto de R$ 337,322 bilhões na primeira metade do ano passado, algo em torno de 6,38% do PIB. Na comparação entre os dois períodos, registrou-se uma elevação de 34,82% ou R$ 117,455 bilhões a mais (o equivalente a 83,58% do acréscimo no déficit nominal em idêntico intervalo).
  • A disparada das despesas do BC com juros, num salto de nada menos do que 516,47% (de R$ 16,207 bilhões para R$ 99,912 bilhões, em torno de R$ 83,705 bilhões a mais), fez com que esse tipo de gasto no governo central crescesse 40,93%, de R$ 287,862 bilhões para R$ 405,691 bilhões – alta de R$ 117,829 bilhões, equivalente a 80,48% do aumento registrado pelo déficit nominal do governo central.
  • O resultado primário nas duas instâncias piorou também, mas os juros continuaram sendo o fator central para o agravamento do rombo nominal. No setor público em geral, o déficit primário saiu de R$ 20,369 bilhões para R$ 43,448 bilhões, avançando 113,30% (quer dizer, R$ 23,079 bilhões a mais). No governo central, o déficit subiu 66,89%, de R$ 42,327 bilhões para R$ 70,640 bilhões (em torno de R$ 28,313 bilhões a mais). A maior influência veio do aumento de R$ 33,237 bilhões no rombo da Previdência (que saiu de R$ 164,984 bilhões para R$ 198,221 bilhões, variando 20,15%), enquanto o governo federal isoladamente conseguiu elevar em 4,13% seu superávit primário, de R$ 122,785 bilhões para R$ 127,851 bilhões.