Juros e amortizações consumiram praticamente metade do orçamento

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 24 de fevereiro de 2023

Questionar ou meramente levantar o debate sobre a política de juros executada pelo Banco Central (BC) tornou-se blasfêmia, um ataque mesmo à estabilidade dos preços e à economia em seu todo. Alguns entre os maiores bancos privados do País já antecipam, num tom que mais lembra uma ameaça velada do que uma “constatação empírica”, que o BC teria que elevar os juros básicos dos atuais 13,75% para 15,0% ao ano caso a meta de inflação para 2024 venha a sofrer alguma alteração, passando a contemplar uma variação, no centro da meta, de 4,5% para os índices inflacionários – lembrando que a taxa atualmente fixada dentro da política de metas para 2023 e 2024 está em respectivamente 3,25% e 3,0%.

O dado concreto e jamais levado a discussão pelo pensamento econômico dominante no País é que a política de juros altos tem causado estragos mais dramáticos do que economistas, analistas e comentaristas mais conservadores gostariam de admitir, solapando o orçamento público de forma ilegítima e interditando a execução de políticas sociais de maior alcance. Em resumo, o pagamento de juros estratosféricos pelo setor público brasileiro agrava a concentração de riquezas, reduz o volume de recursos públicos disponíveis para o setor social e dificulta a adoção de políticas para combater iniquidades, enfrentar a má distribuição da renda e reduzir desigualdades.

Apenas no ano passado, numa estimativa construída a quatro mãos pelos economistas Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), e Rodrigo Ávila, em texto veiculado pelo jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), as despesas com juros, encargos financeiros e amortizações da dívida pública exigiram R$ 1,879 trilhão, representando 46,3% do orçamento federal executado no período. O percentual é mais do que o dobro dos valores pagos a aposentados e pensionistas da Previdência Social, que representaram em torno de 20,7% do orçamento executado (ou seja, das despesas efetivamente pagas), e quase 14 vezes maior do que o gasto em saúde, que havia respondido por 3,37% do orçamento pago em 2022.

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Subestimação?

Os dados trabalhados pelos dois economistas foram extraídos do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), mas podem estar subestimados em relação aos valores referentes aos juros pagos, sugerem ambos, o que significaria que a participação das despesas relacionadas à dívida pública federal tenderia a ser ainda mais ampla, exigindo a imobilização de muito mais recursos do que aqueles originalmente estimados. Há uma dificuldade para estimar esses números, já que a visão orçamentária considera valores desembolsados e as estatísticas fiscais do governo central, publicadas mensalmente pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), envolvem juros apropriados no conceito “abaixo da linha” pelo BC, que não necessariamente correspondem ao que de fato chegou a ser pago de forma efetiva. Fattorelli e Ávila levantam a hipótese de subestimação a partir de uma estimativa básica, que considera a taxa média de juros sobre a dívida pública federal, que havia sido de 10,21% em 2022, e o estoque daquela dívida em dezembro de 2021, na faixa de R$ 7,643 trilhões. Nesse cálculo, os juros teriam somado algo próximo a R$ 780,4 bilhões (10,21% de R$ 7,643 trilhões) – ou seja, pouco mais de três vezes acima do valor informado pelo Siop.

Balanço

  • Tomando os dados informados pela STN, as despesas com juros, encargos e amortizações teriam atingido qualquer coisa próxima a R$ 2,135 trilhões no ano passado, o que representaria ao redor de 52,60% das despesas totais executadas, na soma dos orçamentos fiscal e da seguridade social.
  • “O valor estimado dos juros em 2022 foi de, no mínimo, R$ 780 bilhões. Essa estimativa conservadora (que sequer considera os juros decorrentes de novas dívidas surgidas em 2022) é feita com dados oficiais, aplicando-se a taxa média divulgada pelo Tesouro Nacional (10,21% ao ano) pelo valor do estoque da dívida federal no final de 2021 (de R$ 7,643 trilhões). Depreende-se, portanto, que o gasto com juros foi bem maior que o valor de R$ 247 bilhões informado pelo governo federal a título de juros da dívida”, reforça Fattorelli.
  • Na sua visão, “essa imensa divergência decorre do fato de que grande parte dos juros tem sido indevidamente registrada como se fosse amortização, conforme já denunciado pela ACD”.
  • A origem dos recursos destinados ao pagamento de juros e amortizações, prossegue a economista, parece confirmar o privilégio concedido à dívida pública na execução orçamentária, “em detrimento dos investimentos sociais”. Em torno de 88% dos recursos totais de R$ 1,879 trilhão desembolsados para fazer frente aos custos da dívida pública, algo como R$ 1,651 trilhão, “tiveram como origem a emissão de títulos públicos, que em vez de servirem para financiar investimentos sociais e garantir o desenvolvimento socioeconômico do País, têm sido consumidos integralmente nos gastos da própria dívida que, apesar desse vultoso pagamento, não para de crescer”.
  • O restante, em torno de R$ 228,5 bilhões, refere-se “a valores provenientes de outras receitas que não têm relação com a emissão de títulos públicos e que poderiam ter sido destinadas às áreas sociais, mas foram destinadas para o pagamento de juros e amortizações da dívida”, complementa a economista. Uma parcela ínfima, estimada em R$ 28,5 bilhões, chegou a ser destinada a áreas sociais no ano passado, representando perto de 2,0% dos gastos com o sistema de seguridade social.
  • As despesas com a dívida pública, acrescenta ainda Fattorelli, “ ainda avançaram sobre as receitas provenientes de outras fontes, retirando R$ 200 bilhões das áreas sociais em 2022”, envolvendo R$ 98 bilhões em lucros do próprio BC, mais R$ 50,1 bilhões de lucros de empresas estatais, outros R$ 20,0 bilhões em dívidas pagas por Estados e municípios e R$ 11,5 bilhões em royalties pagos sobre a exploração de petróleo.
  • “Os dados evidenciam como as empresas estatais têm sido usadas para privilegiar o setor financeiro, à custa do sacrifício do povo que paga caro pelo alto preço de tarifas de ônibus, botijão de gás, gasolina e diesel (que é repassado para o frete em todos os produtos transportados), além de onerosas tarifas bancárias e juros altos. A Petrobras distribuiu R$ 56 bilhões de dividendos para o governo em 2022, enquanto o Banco do Brasil distribuiu R$ 6 bilhões, e, como vimos praticamente todo esse lucro se destinou para gastos com a dívida”, registra a economista.