Quinta-feira, 28 de março de 2024

Linhas mais caras lideram alta do crédito para pessoas físicas

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 16 de março de 2023

O desaquecimento do mercado de trabalho, que tem experimentado mais recente uma desaceleração no ritmo de criação de empregos, pode ser uma explicação para o aumento das contratações de empréstimos de menor qualidade, quer dizer, que impõem aos tomadores taxas de juros muito mais salgadas, num período mais recente. Tomando como base os 12 meses encerrados em janeiro do ano passado, as concessões totais de novos empréstimos a taxas livres (quer dizer, não reguladas pelo governo) experimentou um avanço de 20,38% em valores nominais, conforme dados do Banco Central (BC), saindo de alguma coisa inferior a R$ 2,330 trilhões para R$ 2,804 trilhões – o que correspondeu, por sua vez, a um incremento de R$ 474,828 bilhões.

Em torno de 47,0% do crescimento observado tiveram como origem concessões de crédito para o cheque especial e para linhas de crédito rotativo e parcelado dos cartões de crédito. As concessões para operações financiadas pelo cheque especial cresceram 22,05% nos 12 meses terminados em janeiro deste ano, na comparação com o período de 12 meses imediatamente anterior, avançando de R$ 357,130 bilhões para R$ 435,873 bilhões (numa variação, portanto, de R$ 78,743 bilhões, o que correspondeu, por sua vez, a 16,58% do aumento das concessões realizadas no segmento do crédito livre para pessoas físicas).

Na soma dos empréstimos concedidos nas modalidades de cartão de crédito rotativo e parcelado, o valor total das concessões saltou nada menos do que 47,47% entre os dois períodos analisados até aqui, elevando-se de R$ 303,179 bilhões para R$ 447,827 bilhões. Foram agregados às concessões naquelas áreas créditos no valor de R$ 144,648 bilhões, numa contribuição de 30,46% para o aumento das concessões totais, sempre no segmento de crédito livre. A participação do cheque especial e do crédito rotativo e parcelado nas concessões totais de créditos a taxas livres avançou de 28,35% entre fevereiro de 2021 e janeiro de 2022 para 31,51% nos 12 meses terminados em janeiro deste ano, numa elevação de 2,8 pontos percentuais.

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Extorsão

O cheque especial e o cartão rotativo e parcelado são notoriamente formas de crédito utilizadas pelas famílias em geral como uma espécie de complemento para a renda mensal, diante da insuficiência da renda para fazer frente a gastos e compromissos em geral. Trata-se, muito obviamente, de um “complemento” de baixíssima qualidade, como já anotado, em função das taxas extorsivas cobradas por bancos e administradoras de cartões. Como consequência, as taxas de inadimplência cresceram quase proporcionalmente ao avanço das contratações de empréstimos naquelas modalidades, em mais um sinal da crise de crédito que estaria se formando no País na esteira da política tresloucada de juros altos praticada pelo BC.

Balanço

  • Uma olhada na série histórica de dados do BC sobre o mercado de crédito mostra o cenário absurdo dos juros cobrados em modalidades sem garantia ou com garantias menos firmes no segmento livre para pessoas físicas. Os juros do cheque especial saltaram de 125,7% ao ano em janeiro do ano passado para 132,0% no mesmo mês deste ano, numa alta de 6,3 pontos percentuais.
  • Não parece ser surpresa que a inadimplência nesta área tenha alcançado em janeiro passado 13,6%, o que correspondeu ao seu nível mais elevado desde setembro de 2020, em meio à pandemia, quando o percentual de créditos não honrados pelas famílias que dívidas no cheque especial havia atingido 15,0%. Em janeiro do ano passado, os valores em atraso há mais de 90 dias representavam 10,9% da carteira total nesta área. Em 12 meses, como se nota, a inadimplência avançou 2,7 pontos.
  • A inadimplência no crédito rotativo do cartão chegou a 45,5% em janeiro, quer dizer, muito próximo de metade de todo o saldo dos empréstimos concedidos nessa modalidade, saindo de 36,3% em janeiro de 2022. Foi a taxa mais elevada em praticamente 12 anos, que corresponde à série histórica mais recente do BC.
  • Ainda no segmento de cartão de crédito, as linhas de empréstimos parcelados anotaram elevação de dois pontos percentuais e meio entre janeiro de 2022 e o mesmo mês deste ano, com a taxa de inadimplência avançando de 6,1% para 8,6% (também a mais alta da série).
  • Considerando todo o saldo do crédito livre para pessoas físicas, a inadimplência foi elevada em 1,5 pontos percentuais, passando de 4,6% no primeiro mês de 2022 para 6,1% em janeiro deste ano. O índice só foi maior em outubro de 2016, quando havia alcançado 6,2%.
  • As linhas destinadas à recomposição de dívidas, que também vem avançando, a inadimplência chegou ao nível mais elevado desde fevereiro de 2018, momento em que se encontrava próxima de 16,9%. Em janeiro deste ano, o BC registrou um índice de 16,7%, saindo de 13,0% em janeiro de 2022.
  • Nesse tipo de operação, destinada à renegociação de empréstimos e financiamentos em atraso, as concessões de recursos novos apresentaram crescimento de 39,02% desde janeiro do ano passado, quando somavam R$ 52,109 bilhões, até igual mês deste ano, subindo para R$ 72,443 bilhões. Embora tenham recuado em relação a janeiro do ano, os juros subiram mais recentemente nesse tipo de renegociação, saindo de 37,9% em dezembro de 2022 para 42,0% em janeiro último. Para comparação, os juros encontravam-se em 55,4% ao ano no começo de 2022.
  • Na análise da Instituição Fiscal Independente (IFI), entre os empréstimos com recursos livres, “as linhas que apresentam maior vigor de crescimento são aquelas associadas a tomadores com pior perfil de risco, como cartão de crédito e cheque especial”, num movimento contrário ao observado nas “modalidades com boas garantias associadas, como o consignado, o financiamento de veículos e o crédito imobiliário”, que “crescem abaixo da média”.
  • Ainda na avaliação da IFI, a “deterioração nas condições do mercado de trabalho durante a pandemia pode explicar o aumento do crédito em linhas de pior qualidade”. O desaquecimento mais recente do emprego, mais precisamente desde o terceiro trimestre do ano passado, parece explicar, agora, o avanço daquele tipo de crédito mais uma vez.