Lugar de fala e os limites da escuta: por que repensar quem fala por quem?
Há quem fale alto e nunca seja escutado. Há quem fale sempre, mesmo quando não há nada a dizer. Entre essas duas pontas se desenha a costura feita por Djamila Ribeiro em Lugar de Fala, ensaio breve e imenso, publicado na coleção Feminismos Plurais, como quem escreve não para ocupar as estantes, mas para deslocar os móveis da casa. O livro não grita, mas tamborila com firmeza: quem tem falado por quem? E por quê?
Djamila entra num território minado — a linguagem — com a serenidade de quem sabe que não basta nomear as coisas, é preciso desenrolar a história de quem teve o poder de nomear. Lugar de fala não é um mantra identitário, nem um colete à prova de crítica. É, antes, um mapa. Um que mostra de onde vem o corpo que fala, que experiências atravessam sua fala e o que o silêncio dos outros tem a dizer sobre isso. Ao contrário da caricatura que a extrema direita construiu, o conceito não quer interditar o debate, mas qualificá-lo: nem todo mundo pode falar por todo mundo, ainda que todos devam falar por si.
Há uma pedagogia implícita no livro, feita de exemplos cotidianos e metáforas que não pedem nota de rodapé. Djamila usa as palavras como quem conhece o peso de cada uma. Diz, por exemplo, que o privilégio é como um quartinho confortável com vista para o mar: quem está nele, nem sempre percebe que há gente morando no porão. A metáfora funciona porque não acusa — revela. O ensaio é político sem ser panfletário, filosófico sem ser hermético. Faz o leitor pensar sem precisar pedir permissão à academia.
O pano de fundo é mais profundo que o texto: trata-se da construção do saber no Brasil e da farsa da universalidade. O cânone, tão branco quanto masculino, não se fez por mérito, mas por exclusão. Ao afirmar que todo sujeito é situado, Djamila aponta para o impensado: a neutralidade sempre teve cor, classe e gênero. O “nós” genérico que ocupa os editoriais e as leis, diz ela, nunca foi um coletivo real — é uma ficção de poder.
Sobre a autora:
Djamila Ribeiro é filósofa, escritora e uma das principais referências no debate público sobre questões raciais e de gênero no Brasil. Mestre em Filosofia Política pela Unifesp, é colunista, ativista e coordenadora da coleção Feminismos Plurais, dedicada à difusão de pensamentos de intelectuais negros e negras. Autora também de Quem tem medo do feminismo negro? e Pequeno Manual Antirracista, Djamila recebeu prêmios nacionais e internacionais por sua contribuição à defesa dos direitos humanos.