Mais cautela ao analisar a alta do investimento nos últimos anos

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 15 de março de 2022

Afinal, retomando tema exposto aqui em janeiro (O Hoje, 19.01.22), por que cargas d’água o investimento continuou crescendo mesmo numa conjuntura econômica um tanto inóspita, marcada pelo baixo crescimento (quando não pela queda da atividade) desde a recessão de 2014/2016? O que por trás dos números mais recentes relacionados ao desempenho dos investimentos no País? O economista Gilberto Borça Júnior, da área de planejamento e pesquisa econômica do Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), decidiu destrinchar as contas nacionais e investigar, com base nos dados oficiais disponíveis, o que de fato moveu o investimento desde 2018. Em suas conclusões, a alta da taxa de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) deveria ser analisada com muita cautela, para evitar conclusões apressadas e avaliações equivocadas sobre o estado real da economia brasileira.

Borça tenta avançar alguns passos além do que já haviam desenhado antes seus colegas Claudio Considera, que coordena o Núcleo de Contas Nacionais (NCN) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Ricardo Barboza e Isabela Kelly. Numa linha semelhante àquela adotada pelo trio, Borça demonstra que fatores muito específicos têm influenciado o comportamento mais recente dos investimentos.

O primeiro deles está na mudança do regime de tributação aplicado às plataformas de petróleo, incluindo a desvalorização expressiva do real entre 2019 e 2021,o que ajudou a encarecer o investimento, eainda o ciclo de alta das commodities, que contribuiu para alavancar a produção de máquinas e equipamentos associados ao setor do agronegócio.Para além desses fatores, o economista mostra que houve sim algum crescimento real do investimento, mas este teria sido menos expressivo do que aparentemente indicam os números das contas nacionais, quando absorvidos de forma nua e crua, sem um escrutínio mais cuidadoso.

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Exportações de “mentirinha”

Num primeiro ponto, Borça lembra que o País vinha aplicando, desde setembro de 1999, um regime aduaneiro especial de exportação e importação de plataformas de petróleo. Para capturar os benefícios tributários previstos naquele regime (que recebeu o nome de Repetro), as plataformas produzidas aqui dentro eram exportadas a empresas subsidiárias instaladas fora do País e voltavam como bens importados numa “modalidade denominada de admissão temporária”. Na prática, as plataformas jamais deixaram o País e essa operação teve impacto nulo no PIB (já que as receitas das exportações eram compensadas pelo aumento proporcional das despesas com aluguel de equipamentos importados na conta de transações correntes). Além disso, a exportação terminou reduzindo o consumo aparente (a soma dos bens produzidos e consumidor no País com importações, deduzidas as exportações) de bens de capital e, portanto, o próprio investimento.

Balanço

  • Esse mecanismo, de acordo com Borça, “ao elevar as exportações de bens de capital, gerava uma redução no consumo aparente de máquinas e equipamentos, afetando as estatísticas de investimento, as medidas de estoque de capital e a balança comercial do País, isto é, geravam alterações na composição da demanda agregada (mais exportações e menos investimentos), mas sem impactos no PIB”.
  • A simplificação daquele procedimento e a eliminação do benefício tributário assegurado para aquelas “exportações fictas” (quer dizer, fictícias) a partir de 2018 trouxeram uma movimentação em sentido inverso, novamente embaralhando os dados das contas nacionais e confundindo as análises. As plataformas já em operação no País passaram a ser contabilizadas como importações, levando a um aumento temporário “do consumo aparente de bens de capital” e, desta vez, produzindo “a ampliação dos investimentos”, detalha Borça.
  • Apenas no ano passado, as importações fictas de plataformas de petróleo atingiram qualquer coisa ao redor de US$ 15,5 bilhões, em torno de R$ 84,0 bilhões quando considerada a cotação média do dólar em 2021. “Esse valor corresponde a 5% do investimento do País, e a 1% do PIB”, aponta o economista. Isso significa dizer que a taxa de investimento teria sido pelo menos um ponto de porcentagem mais baixa, saindo dos 19,2% para 18,2%.
  • Entre 2019 e 2021, a taxa de investimento avançou oficialmente de 15,5% para aqueles 19,2%, variando 3,7 pontos de porcentagem, portanto. O aumento dos preços relativos dos bens de capital e outros bens associados à construção civil e à produção de programas de computadores, à pesquisa e desenvolvimento de bens e serviços e outros produtos ajudaram a incrementar àquela taxa – muito embora não essa valorização não tenha contribuído para incrementar a capacidade de produção na economia. Simplesmente, os bens de capital ficaram mais caros e, portanto, as empresas gastaram mais para comprar o mesmo volume de máquinas, equipamentos, materiais para a construção de novas fábricas e/ou ampliação daquelas já existentes, produção de softwares e computadores, entre outros bens.
  • Borça estima que esse “encarecimento” relativo teria acrescentado perto de 1,1 pontos na variação da taxa de investimento entre 2019 e 2021, respondendo por algo como 29,7% do aumento observado. A internalização das plataformas de petróleo respondeu por mais 0,6 pontos (em torno de 16,2% do aumento observado). Somados, os dois fatores explicariam mais de 45% do aumento total do investimento naquele período, limitando o crescimento real a apenas dois pontos, com a taxa de investimento saindo de 16,2% para 18,2%.