“Manobras” eleitorais explicam quase 84% da queda na inflação

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 29 de novembro de 2022

O ritmo mensal de alta dos preços, considerada a variação média que ajuda a compor as taxas de inflação a cada medição realizada por institutos de pesquisa oficiais e independentes, retomou níveis muito próximos àqueles observados em maio passado, confirmando o caráter efêmero da redução ocorrida entre julho e setembro. Mais do que isto, o comportamento mais recente das taxas de inflação reforça ainda a vertente meramente eleitoreira das medidas adotadas ao final do primeiro semestre para tentar conter a inflação e conquistar simpatias no eleitorado – o que pode ter causado algum impacto nas intenções de voto, mas insuficiente, como parece nítido, para alterar mais profundamente os resultados das urnas.

Os dados desagregados por subitem dos grupos de gastos, que têm seus preços pesquisados regularmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam que a redução artificial dos preços de combustíveis e a queda das tarifas de energia responderam pelo grosso da queda sofrida pelas taxas inflacionárias. Considerando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) acumulado em 12 meses, a taxa atingiu seu pico neste ano ao final da primeira quinzena de maio, chegando a 12,20%, e recuou 6,03 pontos percentuais em novembro, para 6,17%, igualmente considerando as quatro semanas encerradas na segunda semana deste mês.

A queda na taxa acumulada em 12 meses refletiu, em grande parte, uma deflação (queda nos preços médios cobrados do consumidor) de praticamente 1,10% entre julho e setembro, com inflação negativa de 0,73% em agosto e de 0,37% no mês seguinte. A deflação apresentada naqueles meses e ainda a forte desaceleração observada em julho estiveram relacionadas ao comportamento apresentado pelos preços dos combustíveis e da energia, apenas para reforçar.

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“Efeito eleições”

Para comparar, os preços médios dos combustíveis haviam acumulado um salto de 32,87% nos 12 meses terminados em maio deste ano. Em novembro, os mesmos preços passaram a indicar uma queda de 22,49% também em 12 meses. As tarifas de energia, que haviam experimentado alta de 9,29% até maio (igualmente em 12 meses) por conta da bandeira tarifária de escassez hídrica, refletindo o risco de racionamento enfrentado pelo País no ano passado, mas também reajustes regulares concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Nos 12 meses encerrados em novembro, a “inflação” da energia passou a ser negativa em 18,61%. Nos dois casos, a queda nos preços resultou diretamente do “pacote eleições”. Para comparar, o custo da alimentação continuou subindo, ainda que em ritmo menos intenso, apresentando elevação de 11,59% entre dezembro de 2021 e novembro deste ano, variação inferior à taxa de 14,02% registrada até maio passado. Obviamente, os preços dos alimentos continuaram seguindo as tendências ditadas pela alta dos custos de produção na agricultura.

Balanço

  • Somados, combustíveis e energia entraram com peso de 9,41% no cálculo do IPCA-15 de novembro, o que se compara com 12,93% em maio, numa fase ainda de altas intensas para aqueles preços (o que interfere na fixação dos pesos, visto que passaram a ocupar maior espaço nos orçamentos das famílias, sobretudo para aquelas que utilizam veículos próprios). E foram responsáveis por pouco mais de um quarto do IPCA-15 de 12,20% registrado nos 12 meses até maio.
  • Desde lá, com a queda nos preços, combustíveis e energia elétrica residencial responderam 5,06 pontos da queda de 6,03 pontos percentuais na taxa de inflação. Mais claramente, as medidas eleitoreiras responderam por 83,9% da queda anotada pelo IPCA-15 no intervalo analisado.
  • A grande “mudança” no período foi precisamente a redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre gasolina, etanol e energia, que teve sua alíquota sobre aqueles setores limitada a 17% por decisão do desgoverno federal, sacramentada pelo Congresso. Mas a diminuição de impostos, ainda que por motivos meramente eleitoreiros, não ajudou a segurar a inflação, beneficiando a sociedade?
  • Conforme já anotado neste espaço, a baixa nas despesas com combustíveis teve contribuição mais relevante para amenizar o peso da inflação sobretudo para as classes média e alta, que utilizam o carro no seu dia a dia. No caso da energia, a redução nos preços até beneficiou de fato setores mais amplos da população. De toda forma, os efeitos tendem a ser temporários, já que a Aneel mantém o processo de revisão tarifária e de reajustes para as empresas do setor elétrico, o que tenderá a pressionar as tarifas passado o impacto da redução da alíquota do ICMS.
  • Na verdade, isso já começa a ocorrer, quando se observa o comportamento mensal da inflação em cada segmento da economia. Nos 30 dias terminados ao final de segunda semana de novembro, o custo da energia havia registrado elevação de 0,44% frente a apenas 0,07% na segunda quadrissemana de outubro. Nos 30 dias daquele mesmo mês, a energia sofreu elevação de 0,30%. A gasolina, que chegou a ficar 9,78% mais barata na segunda quadrissemana de setembro, experimentou alta de 1,67% no mesmo período de novembro.
  • Há outra questão relativamente delicada por trás daquelas medidas. O governo federal criou um problema para os governos estaduais, que têm naqueles dois segmentos da economia uma fonte importante de arrecadação de impostos. As pressões serão grandes para que as alíquotas, no limite, retornem aos níveis anteriores, o que traria impacto inversamente proporcional àquele observado no curto período de deflação experimentado pela economia.
  • No caso de Goiás, em termos reais, as perdas de receitas nos setores de combustíveis, energia elétrica e comunicações (que também teve a cobrança do ICMS limitada) haviam alcançado perto de R$ 938,0 milhões na comparação entre o terceiro trimestre deste ano e igual período do ano passado.