Menor investimento público ajuda a derrubar investimento privado

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 11 de maio de 2021

O cruzamento entre os dados atualizados recentemente pelo economista Manoel Pires, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), e da consultoria Economática mostra que a retração observada nos últimos anos pelos investimentos do setor público veio acompanhada de queda também no investimento privado. A constatação ajuda a enterrar um dos “mitos” produzidos pela equipe econômica, que ainda no começo do atual desgoverno tentou “vender” à opinião pública a absurda conclusão segundo a qual o Produto Interno Bruto (PIB) do setor privado crescia, enquanto o PIB do setor público encolhia.

O argumento esdrúxulo, que buscava criar condições para acelerar o desmonte do setor público no País, desconsidera como funciona a economia no mundo real, mas de forma propositada, com o objetivo de conquistar “corações e mentes” em favor de uma agenda ultraliberalizante e ultrapassada. Há uma relação evidente entre as áreas pública e privada, já que o gasto realizado pelos governos, incluindo pagamento de salários, contratação de obras e compras em geral, corresponde à receita faturada pelas empresas privadas.

Salários se transformam em gastos das famílias, que ajudam a fomentar o consumo privado, assim como ocorre com as compras de equipamentos, móveis para as repartições públicas, materiais de limpeza, papel, tinta para impressoras e até cafezinho. Como se sabe, são empresas privadas que fornecem todo esse material. Da mesma forma, o investimento público igualmente corresponde a receitas para empresas privadas, já que são elas que realizam as obras contratadas pelos governos (não há empreiteiras estatais para construir pontes, estradas, ferrovias, portos e outros projetos).

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Curto prazo

Os números computados por Pires mostram que os investimentos do setor público, somando governo central, governos estaduais e municipais e empresas estatais federais, saíram de R$ 144,677 bilhões em 2019 para R$ 192,197 bilhões no ano passado, com alta nominal de 32,9%. Em relação ao PIB, o investimento público saiu de 12,76% para 15,71%. A recuperação veio do avanço de 46,6% no investimento das estatais, que saíram de R$ 58,281 bilhões para R$ 85,466 bilhões, com destaque para a Petrobrás, conforme o economista. Mas esse investimento havia despencado 31,3% entre 2018, quando somou R$ 84,803 bilhões, e o ano seguinte. Em relação ao PIB, o investimento das estatais saiu de 0,79% em 2019 para 1,15% no ano passado, ainda levemente abaixo do percentual registrado em 2018 (1,21%).

Balanço

  • Ainda olhando o curtíssimo prazo, o crescimento registrado em 2020 foi mais intenso entre as prefeituras, que elevaram o investimento em 37,8% (de R$ 40,641 bilhões para R$ 56,020 bilhões), com alta ainda de 23,1% nos Estados, saindo de R$ 27,421 bilhões para R$ 33,756 bilhões.
  • No caso dos municípios, avalia Pires, o avanço “pode ter ocorrido em função da necessidade de maiores investimentos por conta da pandemia em um contexto de maior disponibilidade de financiamento propiciado pelo governo federal”.
  • Mas o investimento federal continua encolhendo fortemente, embora seja esta “uma importante fonte de financiamento para alguns investimentos subnacionais”, pondera o economista. “Mas a tendência de gastos com investimentos no governo federal é preocupante, pois não parece haver nenhuma tendência de estabilização ou reversão da compressão iniciada em 2015 e que torna os desembolsos insuficientes para repor a depreciação do estoque da capital fixo público”, aponta ainda.
  • O governo federal reduziu seu investimento em 7,5% no ano passado, para R$ 16,955 bilhões frente a R$ 18,335 bilhões em 2019. Como proporção do PIB, o investimento federal atingiu em 2020 o nível mais baixo desde 2004, quando havia alcançado 0,21%. Essa relação desabou de 0,63% em 2013 para 0,23% no ano passado.
  • Comparado a 2014, sempre em valores nominais (ou seja, não atualizados pela inflação corrente), o investimento de todo o setor público caiu 12,46%, encolhendo de R$ 2019,561 bilhões (3,95% do PIB) para R$ 192,197 bilhões (2,58%). Quer dizer, mesmo com o avanço registrado entre 2019 e o ano seguinte, não foi possível retomar sequer aos níveis do final da primeira metade da década.
  • No levantamento da Economática, que considerou uma amostra de 220 empresas de capital aberto, com dados disponíveis para o período entre 2011 a 2020, excluídaa Petrobrás, o investimento dessas companhias caiu 6,28% desde 2014 até o ano passado. Também em valores nominais, baixaram de R$ 132,830 bilhões para R$ 124,491 bilhões. Sua fatia no PIB baixou de 2,30% para 1,67% (mas havia atingido 3,21% em 2012).
  • Comparado ao investimento total na economia (a tal “formação bruta de capital fixo” que compõe o PIB), a participação das empresas de capital aberto, na amostragem da Economática, saiu de 11,57% em 2014, depois de ter alcançado 15,50% em 2012, para apenas 10,17% no ano passado, o mais baixo da série preparada pela consultoria. No caso do investimento público, que chegou a representar 19,12% do PIB em 2014, escorregou para 15,71% em 2020.
  • Nos dois casos, com exceção para os investimentos municipais, os valores investidos têm sido insuficientes para repor a depreciação dos ativos públicos e privados. Quer dizer, não são suficientes para substituir veículos, máquinas, equipamentos, estradas, pontes, viadutos e outras estruturas que vão se deteriorando ao longo dos anos. Num exemplo, o governo federal teria que investir em torno de R$ 25,0 bilhões a mais apenas para renovar todos aqueles ativos (ou seja, quase 50,0% mais do que foi investido em 2020). Na área privada, o investimento ficou R$ 8,8 bilhões abaixo do necessário apenas para repor os ativos depreciados.