Mercado de trabalho “congela” com volta de demissões e juros nas nuvens

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 18 de março de 2023

No trimestre final do ano passado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), na versão realizada mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia registrado 8,572 milhões de desempregados em toda a economia, correspondendo a uma taxa de desemprego de 7,9%. Nos três meses encerrados em janeiro deste ano, a taxa havia anotado variação para cima de meio ponto percentual, atingindo 8,4% e deixando 8,995 milhões de trabalhadores sem emprego – ou seja, 423,0 mil a mais do que o dado do trimestre finalizado em dezembro passado, num avanço de 4,9%.

Comparados com o trimestre entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, a taxa de desocupação baixou 2,9 pontos de percentagem, saindo de 11,2% naquele período, enquanto o total de desempregados ficou 25,3% abaixo dos 12,048 milhões de desocupados um ano atrás. A comparação em 12 meses mostra, certamente, melhoras sensíveis, mas a tendência mais recente preocupa porque registra um mercado de trabalho literalmente “congelado”, com desaceleração no ritmo de crescimento dos empregos, movimento já anotado neste espaço e verificado com maior nitidez nos meses finais de 2022, e até queda no início deste ano. O desemprego não apenas perdeu força na contração observada depois da reabertura total das atividades após a fase mais dura da pandemia, principalmente no setor de serviços, como avançou ligeiramente no dado deste começo de ano.

Sinalização negativa

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Os sinais de um esfriamento da economia começam a se acumular, num reflexo já esperado, embora um tanto retardatário, da política de juros extorsivos praticada pelo Banco Central (BC). Conforme já observado neste espaço, as vendas de veículos sofreram baixa em fevereiro e permanecem distantes dos recordes históricos anotados pela indústria automobilística ao longo de 2012, há mais de uma década. Nos dados mais recentes do Instituto Aço Brasil, que representa o setor siderúrgico, a produção de aço bruto anotou baixa de 6,7% em fevereiro deste ano, comparada ao mesmo mês do ano passado, saindo de 2,713 milhões para 2,530 milhões de toneladas – o pior resultado para o mês desde fevereiro de 2016, na recessão de 2015/2016, quando a indústria havia produzido 2,453 milhões de toneladas. No primeiro bimestre deste ano, a produção do setor acumulou redução de 5,8% frente a igual período de 2022, baixando de 5,640 milhões para 5,313 milhões de toneladas.

Balanço

  • O nível de utilização da capacidade instalada da indústria de máquinas e equipamentos, conforme dados da associação do setor (Abimaq), caiu 2% entre janeiro do ano passado e igual mês deste ano, limitada agora a 75,5% (ou seja, praticamente um quarto das máquinas do setor estavam paradas em janeiro deste ano). A carteira de encomendas encolheu 11,5% na mesma comparação, com pedidos que correspondiam, no primeiro mês do ano, a 11,2 semanas de produção, num recuo ainda de 2,4% frente a dezembro passado.
  • A receita líquida da indústria de máquinas registrou oito meses de quedas sucessivas até janeiro deste ano, quando ficou 10,7% menor do que em dezembro, caindo ainda 10,1% frente a janeiro de 2022. Na comparação entre janeiro deste ano e os valores médios alcançados no melhor período da história do setor, entre 2010 e 2013, a receita apresentava um tombo de 30,4%.
  • Os dados da indústria de máquinas e equipamentos são um sinal claro de que o investimento privado está igualmente mergulhando em queda no País, diante dos custos de capital impraticáveis, que travam as decisões de investimento das empresas, encarecem dramaticamente o serviço das dívidas (juros e amortizações) corporativas e das famílias, fazendo derreter a demanda doméstica.
  • Os efeitos ocorrem em cadeia, já que não existem “vasos estanques” numa economia: o consumo das famílias corresponde às receitas das empresas, assim como os investimentos geram faturamento para os setores investidos. O efeito combinado de consumo e investimentos abre espaço para o avanço da arrecadação dos governos, turbinando gastos e investimentos públicos que, por sua vez, transformam-se em receitas para o setor privado. Os juros extorsivos interrompem esse circuito, produzindo retrocessos em cadeia.
  • Na observação dos economistas Natalia Cotarelli e Matheus Fuck, do Itaú BBA, os sinais de desaquecimento do mercado de trabalho haviam se tornado mais claros no quarto trimestre do ano passado e essa tendência de desaceleração “deve se intensificar à frente”, já que o banco projeta “crescimento econômico próximo de zero a partir do segundo trimestre deste ano”.
  • A PNADC do trimestre novembro-janeiro, prosseguem eles, trouxe como destaques a queda da participação do setor formal no mercado de trabalho, em baixa de 0,8% na comparação mês a mês, com ajuste sazonal (quer dizer, excluídos fatores específicos que ocorrem em meses determinados de cada ano e podem distorce comparações), e a redução do rendimento médio real efetivamente recebido (recuo de 0,2%, na primeira baixa desde fevereiro de 2022, nos dados do Itaú BBA).
  • Em outro indício do esfriamento geral da economia, a massa de rendimentos reais habitualmente recebida pelos trabalhadores, que chegou a avançar 5,3% no trimestre finalizado em julho do ano passado, em relação ao trimestre imediatamente anterior, avançou apenas 0,8% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Mas, comparada ao trimestre setembro-novembro de 2022, a massa salarial simplesmente parou de crescer, saindo de R$ 275,875 bilhões para R$ 275,134 bilhões nos três meses entre novembro de 2022 e janeiro de 2023.
  • O cenário internacional complica-se com problemas de liquidez e corridas bancárias nos Estados Unidos e na Europa, exigindo a intervenção de bancos centrais e uma ação até certo ponto inédita de bancos privados para “salvar” e assegurar garantias para bancos sob ameaça, como ocorrido nos EUA. As dimensões dessa crise ainda não estão claras, mas definitivamente a sinalização reforça a perspectiva de um enfraquecimento da atividade econômica global e do comércio internacional, em consequência.