Mercado de trabalho continua desaquecido, afirma pesquisador

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de abril de 2022

“O fato de o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostrar alta do emprego formal muito expressiva e estoque de empregos formais perto do recorde de 2015 não significa aquecimento do mercado de trabalho”, afirma Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados e do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em artigo publicado na terça-feira, 19, no Blog do Ibre. Segundo ele, desde meados de 2020, o mercado “tem se recuperado de maneira acelerada dos prejuízos causados pela pandemia da Covid-19. Porém, a despeito dessa recuperação, acredito que o mercado de trabalho ainda está desaquecido”, sustentando ociosidade ainda muito elevada.

Especialista em microeconomia aplicada, com foco em economia do trabalho, Ottoni apresenta duas correntes que têm disputado espaço no debate econômico, alimentadas por visões antagônicas em relação ao momento atual no mercado de trabalho. De um lado, estão os que defendem, como ele próprio, que o cenário nesta área é de desaquecimento com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Neste caso, os argumentos estão sustentados por indicadores fornecidos pela pesquisa, incluindo o fato de a taxa de desemprego se manter excessivamente elevada, mesmo após meses de retomada relativa do emprego e, ainda, pelo nível muito reduzido do rendimento médio real dos trabalhadores, não muito distante de seu piso histórico na série de dados da PNADC. Na outra ponta, estão aqueles recorrem aos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) para argumentar que o mercado está aquecido e com ociosidade reduzida. A argumentação aqui caminha em linha diametralmente oposta, tomando em consideração o expressivo avanço na geração de empregos formais e o nível elevado do estoque de vagas com carteira assinada, “próximo do recorde observado em 2015” – argumentos que, na visão de Ottoni, são insuficientes para confirmar o tal aquecimento.

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Argumentos limitados

Esse tipo de avaliação prescinde de um dado fundamental, qual seja uma visão do “panorama mais geral do mercado de trabalho”. E o Caged, complementa Ottoni, nada tem a dizer a esse respeito, já que reflete apenas o lado formal do mercado. Além disso, aqueles argumentos esbarram em duas limitações. “Primeiro, ignoram o fato de que houve quebra da série histórica do Caged na passagem de 2019 para 2020 (com alterações na metodologia, no conteúdo e na forma de captura dos dados sobre o emprego formal). Segundo, esses argumentos se esquecem que a população em idade de trabalhar agora em 2022 é muito maior do que era em 2015. Isso se deve ao envelhecimento populacional”, pondera Ottoni.

Balanço

  • Ottoni reúne cinco argumentos para contestar a tese do aquecimento do emprego no País. Ele lembra, em primeiro lugar, que “houve, sim, problemas com os dados da PNADC durante a pandemia”, já que o IBGE teve que interromper a pesquisa presencial, passando a coletar dados por telefone, “prejudicando a qualidade das informações”. Mas as visitas presenciais domiciliares foram retomadas em julho de 2021 pelo instituto, que desenvolveu ainda “metodologia para lidar com os problemas gerados pela mudança na forma de coleta dos dados”, realizando uma “reponderação” daquelas informações “visando corrigir eventuais problemas”.
  • Em terceiro lugar, mesmo que persistam erros na PNADC, “eles teriam que ser enormes para o mercado de trabalho estar aquecido”, raciocina Ottoni. No trimestre finalizado em fevereiro deste ano, a pesquisa estima uma taxa de desocupação de 11,2%, com 12,016 milhões de desempregados. O pesquisador questiona o que poderia ser considerado como um mercado de trabalho aquecido. E pergunta: a taxa de desemprego deveria estar em 6,0% e o total de desempregados em 6,5 milhões? Nesta hipótese, “a taxa de desemprego teria que estar errada em 5,2 pontos percentuais e o número de desocupados em 5,5 milhões. “Parece pouco provável que esse tipo de erro esteja ocorrendo”, considera ele.
  • Num quarto ponto, Ottoni aponta que a geração de empregos ocorrida nos últimos trimestres não tem sido suficiente “para melhorar o panorama mais geral do mercado de trabalho”. Logo, “ele ainda não se encontra nem perto de estar aquecido” e continua a apresentar elevada ociosidade.
  • Isso ocorre porque a dinâmica demográfica sofreu alterações relevantes, com envelhecimento da população, aumento no número de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais de idade) e crescimento mais do proporcional da força de trabalho (ou seja, do total de trabalhadores ocupados ou desocupados em busca de uma colocação).
  • Entre os trimestres encerrados em fevereiro de 2015 e no mesmo mês de 2022, o número de ocupados cresceu 3,2%, saindo de 92,308 milhões para 95,234 milhões (2,926 milhões a mais), de acordo com a PNADC. Mas a população em idade de trabalhar aumentou 7,8% no mesmo intervalo, avançando de 160,018 milhões para 172,546 milhões (12,528 milhões a mais). Como reflexo, a força de trabalho registrou acréscimo de 7,431 milhões de pessoas, avançando de 99,818 milhões para 107,249 milhões.
  • Isso significa que 4,506 milhões não conseguiram colocação, elevando o total de desempregados de 7,510 milhões em fevereiro de 2015 para 12,016 milhões no trimestre encerrado em igual mês deste ano, num salto de 60%. A taxa de desemprego aumentou de 7,5% para 11,2%.