Mercados se alvoroçam, mas risco maior está na dependência chinesa

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 21 de setembro de 2021

Os mercados se alvoroçaram ontem na esteira de notícias e rumores envolvendo o grupo Evergrande Real State, gigante do setor imobiliário chinês, com passivos estimados em US$ 355,0 bilhões, dos quais perto de US$ 4,12 bilhões (ou seja, menos de 1,2% do valor total) deverão vencer, segundo informações extraoficiais, entre o final deste ano e abril do ano que vem. As bolsas entraram em queda no mundo todo, com baixas de 2,33% no Brasil, perdas entre 1,78% e 2,19% nos Estados Unidos, recuo de 0,86% em Londres e de 1,74% em Paris. A bolsa de Frankfurt chegou a anotar queda de 2,31%.

Para alguns consultores, os temores parecem excessivos e as reações observadas nas bolsas teriam sido mais fortemente influenciadas pela perspectiva de um endurecimento na política monetária conduzida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), que tem acenado com alta nos juros básicos e redução na política de compras diárias de títulos em poder do sistema financeiro naquele país. Os temores de uma desaceleração mais intensa da economia chinesa, ainda na visão daqueles consultores, talvez não se concretizem, diante da expectativa de alguma reação do governo chinês para evitar que uma eventual quebra do grupo traga resultados mais graves para a economia como um todo.

Os números do balanço consolidado do Evergrande em 2020 indicam que a dívida líquida do grupo corresponderia a sete vezes a geração de caixa medida pelo retorno antes de juros, impostos, depreciação e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês), já em dados ajustados. Trata-se de uma relação de fato elevado e sugere que o grupo pode vir a apresentar problemas para fazer frente aos pagamentos exigidos nos próximos meses. A dívida total do grupo correspondia, em dezembro do ano passado, a 31,3% de seus ativos (a relação entre dívida líquida e os ativos totais chegava a 25,1%). A questão é saber quais desses ativos são líquidos e se sua liquidação, antecipada como estratégia pelo grupo para reduzir seu endividamento, poderá ocorrer em prazos adequados para evitar um calote nos credores.

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Apostas temerárias

Projetar cenários a partir dos dados disponíveis sob a ótica ocidental e ainda tomando como parâmetro para comparação a quebra do banco Lehman Brothers em 2008, o que desencadeou a grande crise financeira global do final da década retrasada, parece temerário. Simplesmente porque a economia chinesa não é regida pelos mesmos paradigmas e opera sob critérios de planejamento muito diversos daqueles adotados no mundo ocidental. De uma forma ou de outra, a dependência brasileira em relação à China continua sendo um risco, independente de problemas pontuais que possam vir a gerar turbulências mais severas e causar uma redução na demanda chinesa por grãos, minérios e petróleo. Mais claramente, a questão original continua sendo a dependência em si, o que torna a economia brasileira mais vulnerável a flutuações indesejadas no mercado chinês.

Balanço

  • A edição mais recente do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), coordenado pela economia Lia Valls Pereira, já incluía advertências em relação ao cenário Brasil-China, antes mesmo que o noticiário econômico passasse a dar destaque para as dificuldades enfrentadas pelo gigante chinês, que opera em mercados diversos, além do imobiliário.
  • O trabalho do Ibre destaca o resultado recorde acumulado pela balança comercial brasileira (exportações menos importações) entre janeiro e agosto deste ano, com superávit de US$ 52,111 bilhões frente a US$ 35,715 bilhões nos mesmos oito meses do ano passado, o que correspondeu a uma variação de 45,9% (ou US$ 16,396 bilhões a mais).
  • O saldo com a China, aponta Lia Valls, pesquisadora associada do Ibre/FGV, explicou qualquer coisa ao redor de 67,2% de todo o superávit comercial brasileiro com o resto do mundo. Nos dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, em torno de 34,1% de toda a exportação brasileira tiveram o mercado chinês como destino, de onde vieram um quinto das importações brasileiras.
  • Em números, o Brasil exportou US$ 64,422 bilhões para os chineses, o que correspondeu a um avanço de 36,1% frente aos US$ 47,334 bilhões exportados entre janeiro e agosto do ano passado. Isso significa, ainda, que o aumento das vendas para a China respondeu por praticamente um terço do crescimento acumulado pelas exportações totais.As importações de produtos chineses pelo Brasil atingiram US$ 29,413 bilhões nos oito meses iniciais deste ano, saindo de US$ 22,272 bilhões em 2020, subindo 32,2%. Nas duas pontas, o crescimento foi menor do que as variações registradas pelo total das exportações e das importações, que subiram, respectivamente, 37,4% e 34,4%.
  • O saldo comercial entre Brasil e China, historicamente positivo em favor do mercado brasileiro, aumentou 39,7% e avançou de US$ 25,062 bilhões para US$ 35,009 bilhões, correspondendo a 67,18% de todo o superávit acumulado pelo País (em 2020, a participação havia sido ligeiramente mais elevada, aproximando-se de 70,2%. Outro dado relevante, igualmente destacado pelo Icomex, é que a China respondeu ainda por 60,7% do aumento acumulado pelo saldo comercial do Brasil entre aqueles dois períodos.
  • Segundo a pesquisadora, “três produtos — soja, minério de ferro e petróleo — explicaram 45% das exportações brasileiras no acumulado do ano até agosto. Nesse mesmo período, a China comprou 63% das vendas externas brasileiras de minério de ferro, 69% da soja em grão e 49% do petróleo. O País também registrou elevada participação nas compras de carne bovina (57%) e celulose (42%), colocados em quinto e nono lugar na lista dos principais produtos exportados pelo Brasil”.
  • Dessa forma, prossegue Lia Valls, “os ventos favoráveis da balança comercial estão estritamente associados ao desempenho no mercado chinês”. Embora a economista considere que superávit comercial já estaria assegurado em 2022, há riscos adiante. “Não é aconselhável depender das compras de commodities da China para assegurar o dinamismo das exportações brasileiras numa perspectiva de longo prazo”, assevera, ponderando que “o País deveria estar procurando garantias, via acordos com a China, das suas vendas de commodities e, ao mesmo tempo, procurando diversificar sua pauta exportadora em termos de produtos e países”.