Mesmo com PEC da Transição, despesa ficaria abaixo da média

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de janeiro de 2023

Consultores, analistas e comentaristas econômicos, alinhados ao mercado financeiro, continuam explorando uma modalidade de terrorismo elaborada nas últimas décadas com o propósito único de manter os governos sob influência exclusiva dos dogmas alimentados por seus patrões no momento de definir políticas econômicas e fazer escolhas sobre onde e como gastar os recursos públicos. Toda decisão e mesma a mera conjectura em torno de propostas que contrariem minimamente aqueles dogmas são tratadas como ameaça à estabilidade fiscal e ao crescimento da economia. Configura-se a prática de um “terrorismo fiscal” destinado a tornar governos e a sociedade em reféns dos interesses dos tais mercados.

Os horrores perpetrados pelo desgoverno que tomou de assalto a vida nacional nos últimos quatro anos não causaram tanta comoção (quando causaram alguma comoção naqueles meios) como as primeiras medidas do governo recém-empossado. Entre essas, a chamada PEC da Transição, proposta de Emenda Constitucional (EC) já aprovada pelo Congresso, engrossou a polêmica, atiçou os mastins do setor financeiro e da grande imprensa. Aqueles setores elevaram o tom do “terrorismo fiscal”, antecipando o que se desenhava, nessa versão paralela da realidade, como um desastre fiscal de tais proporções que condenaria o País e sua economia a décadas de retrocesso, com crescimento baixo ou nulo, fuga de investimentos e explosão da dívida pública.

“A interpretação incorreta dos efeitos da PEC tem levado vários agentes de mercado a uma avaliação que julgamos equivocada”, anotam os economistas Gilberto Borça Junior e Manoel Pires, ambos pesquisadores associados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em artigo veiculado na edição de janeiro do Boletim Macro, do próprio Ibre/FGV. O texto mostra, por exemplo, que a expansão dos gastos autorizada pela EC 126/2022 (a PEC da Transição), calculada em pelo menos R$ 168,0 bilhões, elevaria a despesa primária, descontados juros e amortizações devidos sobre a dívida pública federal, para algo entre 18,1% a 19,7% do Produto Interno Bruto (PIB), na estimativa de ambos.

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“Terrorismo” injustificado

Evidentemente, a relação dependerá não apenas do nível das despesas, mas também do “tamanho” do PIB nominal, considerando a taxa de crescimento real do produto e a variação do chamado “deflator implícito do PIB”, que mede a variação dos preços de todos os componentes do PIB. Na hipótese considerada mais provável por Borça Jr. e Pires, o PIB real avançaria em torno de 1,5%, com alta de 7,0% para o deflator, o que colocaria as despesas primárias na faixa de 18,9% do PIB neste ano, levemente abaixo da média de 19,1% observada entre 2016 e 2022, excluído o ano de 2020 dado o forte incremento dos gastos por conta da necessidade de enfrentamento da pandemia e de suas consequências. Comparada a 2022, quando a despesa representou 18,4% do PIB, a variação projetada torna ainda mais injustificável o “terrorismo” montado pelos mercados e por setores muito manjados da velha mídia.

Balanço

  • Entre outros equívocos, para seguir no tom bem mais moderado adotado pela dupla de economistas, Borça Jr. e Pires constatam a inadequação do cálculo feito por “muitos analistas” para estimar o déficit primário (receitas menos despesas, excluídos gastos com juros e amortizações da dívida) esperado para este ano. Nessa conta, aqueles analistas têm somado a expansão dos gastos permitida pela EC 126/2022 (a PEC da Transição), calculada em pelo menos R$ 168,0 bilhões, com o déficit de R$ 65,9 bilhões embutido pelo desgoverno em seu Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que fixa despesas e estima as receitas do setor público federal em 2023.
  • Com base na conta de padaria produzida propositadamente por aqueles analistas, o rombo tenderia a alcançar algo próximo a R$ 234,0 bilhões até o final deste ano. Mas trata-se de uma contabilidade viciada, por desconsiderar, entre outros fatores, a reversão de R$ 24,0 bilhões para a conta única do Tesouro de saldos de contas antigas e sem movimentação do PIS/Pasep.
  • A turma da grana grossa desconsidera, ainda, um fator nada desprezível. O PLOA de 2023 havia inicialmente fixado as despesas em apenas 17,1% do PIB, muito abaixo da média dos últimos sete anos, embutindo um “choque fiscal” de praticamente 1,4% do PIB em relação aos níveis estimados para as despesas primárias no ano passado.
  • O corte equivaleria a quase R$ 135,0 bilhões a menos nas despesas, lembrando que a gestão da política fiscal já havia enfrentado um cenário de paralisia virtual no final do ano passado. Como se recorda, as universidades federais, institutos e centros de pesquisa e tecnologia estiveram ameaçados de colapso, com falta de recursos para pagamento de compromissos essenciais ao seu funcionamento. Da mesma forma, a emissão de passaportes pela Polícia Federal chegou a ser interrompida também por insuficiência de fundos. Faltaram recursos para despesas da Previdência e de órgãos de controle e fiscalização na área ambiental.
  • As receitas previstas pelo PLOA 2023, retomam Borça Jr. e Pires, “também se encontram subestimadas”, representando um percentual do PIB “bem abaixo da média histórica”. Já descontadas as transferências constitucionais para Estados e prefeituras, a arrecadação líquida projetada para este ano já havia sido corrigida de R$ 1,77 trilhão, na época em que a proposta orçamentária foi concluída, por volta de agosto de 2022, para R$ 1,86 trilhão na avaliação extemporânea de despesas e receitas realizada em dezembro passado – um avanço de 5,1% (R$ 86,0 bilhões a mais).
  • “A forma de maximizar os efeitos da PEC da Transição (sobre o nível da atividade econômica) está em apresentar um plano de ação fiscal de modo a manter o cenário de sustentabilidade da política econômica”, ponderam os economistas.
  • A “desconstitucionalização” das regras fiscais, com extinção do teto de gastos e sua substituição por metas de médio prazo na legislação infraconstitucional, melhora na gestão dos precatórios, com base em uma ação “mais eficiente e coordenada entre os vários órgãos estatais”, a negociação com os Estados de uma “solução estruturada” para reduzir o impacto das desonerações e de suas compensações, assim como a programação para o fim das renúncias de receitas adotadas em 2022 compõem o cardápio de sugestões levantadas por Borça Jr. e Pires.