Mudanças no clima já estão “na sala”, no alerta do Inpe

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 26 de agosto de 2022

“É preciso considerar que a mudança climática está aí. Ela não só bateu na porta, mas já entrou na sala”, adverte Jean Ometto, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), autor do capítulo sobre a América Latina e coordenador do capítulo sobre florestas tropicais do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). As temperaturas médias no Brasil, a depender da região, subiram entre 0,2 a 0,5 grau por década nos últimos 50 anos, segundo ele, com elevação de até um grau e meio no norte de Minas Gerais, oeste do Ceará, São Paulo e sul da Amazônia.

Nas áreas de cerrado, prossegue Ometto, observa-se ainda redução nas precipitações ao longo do período, afetando em particular o Centro-Oeste, mas igualmente as zonas de cerrado próximas à caatinga, o que inclui a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Segundo ele, a recorrência e a frequência de eventos extremos também têm aumentado, o que coloca riscos evidentes para a agricultura, principalmente porque o ritmo de adoção de medidas para mitigação de emissões e de adaptação do setor ao novo cenário climático tem ocorrido de forma tímida, na sua avaliação, que coincide com a visão de Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente. “O maior dos riscos é não frearmos o desmatamento e não usarmos as tecnologias que já estão disponíveis e reconhecidamente nos ajudam a enfrentar esse processo”, acrescenta Morandi.

Avanços modestos

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Segundo ambos especialistas, algumas ações têm avançado, a exemplo do plantio direto, do uso de bioinsumos, que poupam emissões, e da adoção de sistemas integrados de produção, estimulados de alguma forma pelo Plano ABC. “O plano representa um dos principais instrumentos da política agrícola brasileira para promoção da sustentabilidade e de enfrentamento aos efeitos deletérios das mudanças do clima”, comenta Soraya Carvalho Barrios de Araújo, coordenadora de mudanças climáticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas nem tudo parece caminhar conforme planejado. De acordo com o Observatório ABC, o programa deveria ter entregue aos produtores algo próximo a R$ 152,33 bilhões em sua primeira etapa, entre 2010 e 2020. Os dados do Banco Central (BC) para o período de janeiro de 2013 e julho de 2022 mostram a contratação efetiva de quase R$ 20,390 bilhões dentro do Plano ABC, cobrindo uma área de 5,201 milhões de hectares.

Balanço

  • Pesquisador da Embrapa Solos, Rodrigo Demonte Ferraz identifica um “forte impulso” na implantação de sistemas de integração, que podem combinar a produção de grãos e criação de gado com o plantio de florestas, a partir de 2010, com o lançamento do Plano ABC. Segundo ele, a Embrapa Solos iniciou em 2015 o Projeto GeoABC, numa colaboração entre os governos brasileiro e francês, destinado a desenvolver metodologias para monitorar, por meio de imagens de satélite e algoritmos de inteligência artificial, o avanço dos sistemas integrados no País.
  • Morandi estima que o plantio direto, que permite preservar a umidade dos solos, já cobriria entre 35,0 milhões a 40,0 milhões de hectares, frente a quase 20,2 milhões de hectares em 2010, com os sistemas de integração alcançando em torno de 17,0 milhões de hectares, diante de 6,78 milhões de hectares no início da década passada.
  • Na visão de Rômulo Sampaio, sócio da área de direito ambiental e mudanças climáticas do escritório Mattos Filho, o agronegócio “pode também estar sujeito a riscos regulatórios”. Por isso, complementa, seria recomendável, no plano doméstico, que o setor participe ativamente das discussões regulatórias já em andamento, de forma a permitir que sejam levadas em consideração “práticas sustentáveis já adotadas pelo setor” e a facilitar a “preparação necessária para a mitigação de riscos de eventual descumprimento de obrigações que venham ser impostas”.
  • No cenário internacional, continua Sampaio, práticas contrárias a “padrões sustentáveis”, a exemplo do desmatamento, “podem acarretar em consequências como a proibição de exportação para a União Europeia de commodities e produtos ligados a tais áreas desmatadas, segundo proposta de regulamento em discussão no bloco”.
  • Entre outras iniciativas, a Amazonbai, cooperativa formada por pequenos produtores de Bailique e da região do Beira Amazonas, cerca de 160 quilômetros ao norte de Macapá, no Amapá, deve realizar em setembro a primeira exportação de polpa de açaí em sua história, iniciada em 2013. O destino será os Estados Unidos, mas a intenção, segundo Amiraldo Picanço, é consolidar a marca, já certificada pelo FSC Brasil, no mercado internacional. A cooperativa recebeu certificação de manejo ambiental em 2016 e foi a primeira associação de produtores de açaí a obter, em 2019, certificação de cadeia de custódia para seu produto, de acordo com Daniela Vilela, diretora executivo do FSC Brasil.
  • A primeira certificação assegura que os produtores associados à Amazonbai adotam práticas ambientalmente corretas, preservando a cobertura vegetal original e a biodiversidade na região, estocando carbono e evitando assim emissões de gases do efeito estufa. A certificação da cadeia de custódia, a primeira do tipo recebida por produtores de açaí em todo o mundo, agrega rastreabilidade à produção, conforme Daniela, garantindo que não há contaminação do produto ao longo de todo o processo.
  • No ano passado, a cooperativa inaugurou em Macapá a Casa do Açaí, uma planta industrial com capacidade para processar até 2 mil litros diários de polpa e derivados de açaí, extraído por 128 produtores de uma área total ligeiramente superior a 2,97 mil hectares, incluindo as regiões de Bailique e Beira Amazonas.