Coluna

Na “contramão” do Brasil. Países cortam taxas de juros (ainda mais)

Publicado por: Sheyla Sousa | Postado em: 04 de março de 2020

Em
seu mais recente comunicado aos mercados, o Banco Central (BC) já havia
antecipado que a fase de redução das taxas básicas de juros chegou ao fim, num
momento em que seus diretores se dividem entre os que acreditam que ainda havia
espaço para novos cortes e aqueles que defendem o oposto – corrente, por sinal,
vitoriosa até o momento. A esta altura, com os desdobramentos todos detonados
pela emergência do coronavírus (Covid-19) e de seus efeitos sobre a saúde e
ânimo das famílias, sobre investidores e a confiança dos mercados no futuro
imediato da economia mundial e sobre o lado real das economias de forma mais
ampla, talvez seja o momento de reconsiderar aquela decisão. E não seria
exatamente uma revisão atabalhoada ou intempestiva, como mostra o exemplo do
Federal Reserve (FED, o banco central dos Estados Unidos).

Diante
dos sinais de enfraquecimento da economia mundial, decorrentes da epidemia do
coronavírus, o FED não hesitou em aplicar um corte adicional e não programado
de 0,5 ponto percentual nos juros básicos, reduzidos para um intervalo entre
1,0% e 1,25% ao ano (remuneração oferecida para quem investe em títulos do
Tesouro norte-americano). O movimento do FED veio na sequência de um comunicado
distribuído pelos ministros de finanças do chamado G-7, grupo que reúne os
países mais ricos do planeta (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália,
Japão e Reino Unido), antecipando a decisão de utilizar“todas as
ferramentas políticas apropriadas para alcançar um crescimento forte e
sustentável e para nos resguardar contra riscos econômicos”.

Além
de “fortalecer e expandir os serviços de saúde”, considerando os impactos
potenciais do Covid-19 sobre a economia global, os ministros do G-7 informaram
estar “preparados para tomar ações, incluindo medidas fiscais (quer dizer,
aumento de gastos e/ou redução de impostos)” como forma de reforçar a resposta
ao vírus e “dar suporte à economia durante esta fase”. No mesmo comunicado,
divulgado após teleconferência entre os ministros de finanças, o grupo antecipa
que “os bancos centrais do G-7 continuarão cumprindo os seus mandatos, dando
suporte à estabilidade de preços e ao crescimento econômico enquanto mantêm a
resiliência do sistema financeiro”.

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Ação conjunta

Como
por aqui só se admite que o BC tenha mandato único, qual seja, preservar a
estabilidade dos preços, a fala daqueles ministros parece soar um tanto
heterodoxa. Mas este tem sido o tom das políticas econômicas e do debate
econômico desde a grande crise de 2008/2009. Mais precisamente, desde quando
acadêmicos e economistas perceberam que as medidas de arrocho fiscal na
sequência da crise fizeram agravar seus efeitos e mergulhar alguns países num
atoleiro ainda maior, impondo sacrifícios redobrados à sociedade. Não parece
coincidência que a posição assumida pelo G-7 venha na sequência da divulgação,
na segunda-feira, das primeiras projeções da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os impactos do vírus, com recomendações de
políticas praticamente na mesma direção das medidas antecipadas pelos países
mais ricos.

Balanço

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Da
mesma forma, a teleconferência do G-7 coincide que os apelos da OCDE para ações
coordenadas e em favor da cooperação entre os governos para enfrentar os
efeitos do vírus sobre a saúde das pessoas e sobre a atividade econômica.

·  
Até
o momento em que a coluna estava sendo finalizada, os bancos centrais da
Austrália e da Malásia já haviam anunciado redução de 0,25 nos juros básicos
naqueles países, para 0,5% e 2,5% ao ano respectivamente. O banco central
japonês, por sua vez, anunciou que manterá seu programa de compra de ativos no
mercado como forma de injetar liquidez no sistema financeiro, numa tentativa
ainda de estimular o aporte de recursos para empresas que eventualmente
enfrentem dificuldades geradas na sequência do avanço dos casos de
contaminação.

·  
Além
de medidas de afrouxamento de políticas monetárias ao redor do mundo (ou seja, redução
de juros e aumento do crédito para evitar problemas mais graves nos bancos e
nas empresas), a OCDE sugere, nas regiões onde as taxas de juros já se
encontram em terreno negativo (a exemplo do próprio Japão e da Área do Euro),
que os bancos centrais recorram a “medidas não convencionais”.

·  
A
recomendação pode ser entendida como um estímulo a emissões diretas de moeda,
num ambiente nitidamente de inflação em baixa e economia sob risco.

·  
Entre
outras medidas, mencionadas na edição de ontem, incluindo o estímulo a
ocupações temporárias, como forma de preservar empregos e renda, a OCDE
recomenda a concessão de auxílio igualmente temporário às famílias, por meio de
transferências diretas de dinheiro ou seguro desemprego a empregados sob
licença temporária em função do vírus, e mesmo com a cobertura pelos governos
de gastos com saúde causados pela doença.

·  
Os
governos devem igualmente assegurar níveis de liquidez adequados ao sistema
financeiro e providenciar inclusive socorro a companhias com problemas de fluxo
de caixa, “especialmente pequenas e médias empresas”, e assegurar que empresas
saudáveis não sejam empurradas para a falência.

·  
Segundo
a OCDE, “devem ser consideradas” ainda medidas para reduzir ou adiar o
pagamento de impostos, baixar o custo de energia para empresas das regiões mais
afetadas. Medidas fiscais, destacadamente na área da saúde (mais gastos),
igualmente deveriam compor o cardápio contra os impactos do vírus.

·  
“Taxas
de juros mais baixas e despesas mais reforçadas dos governos podem ajudar a estimular
a confiança e na recuperação da demanda assim que o surto se amaine e as
restrições a viagens sejam removidas”, considera a OCDE.