Novo Bolsa Família reduz mais a pobreza entre população negra

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de outubro de 2023

A reestruturação do agora chamado de Novo Programa Bolsa Família (NPBF) tende a trazer benefícios mais significativos do que as versões anteriores daquela política, suplantando os resultados eventualmente gerados pelo então Auxílio Brasil, ampliado desordenadamente no governo passado com clara motivação eleitoreira para substituir o antigo Bolsa Família. Os impactos sobre a pobreza e a extrema pobreza são mais relevantes, embora menos significativos do que o desejável, assim como os reflexos sobre a atividade econômica mostram-se mais intensos, como detalha a Nota de Política Econômica nº 044, elaborada pelos economistas José Bergamin, Gustavo Pereira Serra, Marina da Silva Sanches, João Pedro de Freitas Gomes e Luiza Nassif-Pires, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Como se recorda, no começo de março deste ano, o governo recém-empossado editou a Medida Provisória 1.164, transformada na Lei 14.601 aprovada em junho pela Câmara Federal, definindo a nova configuração do programa. A formatação atualizada do Bolsa Família manteve o benefício base em R$ 600, mas passou a contemplar uma série de “remunerações variáveis”, na descrição do Made, antes não consideradas, incluindo um adicional de R$ 150 por criança menos de seis anos, mais R$ 50 por crianças e adolescentes de sete a 18 anos e ainda R$ 50 para mulheres gestantes.

O trabalho “busca estimar os impactos na distribuição de renda e no nível de atividade econômica de três diferentes cenários para o Novo Programa Bolsa Família”, anotam os economistas do Made. Para isso, comparam os impactos entre o formato em vigor desde junho deste ano (considerado como “proposta 3”) e duas outras modelagens, a primeira (tomada como “proposta 1”) que considerava a volta do benefício base para R$ 400, e aquela que mantinha “um benefício único de R$ 600 por família, como vinha ocorrendo com o Auxílio Brasil na véspera da eleição” (classificada como “proposta 2”).

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Menos miseráveis

Depois da reestruturação, empreendida já no atual governo, registram os economistas do Made, projeta-se que será possível retirar a pobreza e da extrema pobreza, respectivamente, algo como 5,1 milhões e 6,83 milhões de pessoas a mais do que no cenário em que o benefício tivesse sido preservado em R$ 400. “Este impacto praticamente dobra o efeito de simplesmente manter o benefício no valor que o Auxílio Brasil tinha ao fim de 2022”, como descrito na “proposta 2”. Segundo reforça o estudo, “o Novo PBF, por apresentar uma estrutura de benefícios variáveis para famílias que possuem crianças de até 6 anos, crianças e adolescentes de 7 a 18 anos e gestantes, pode retirar cerca de 3,0 milhões de pessoas a mais da extrema pobreza do que no cenário em que o valor do benefício é simplesmente aumentado de R$ 400 para R$ 600”.

Balanço

  • “Assim, nota-se que o impacto mais significativo do Novo PBF na redução da pobreza tem origem no aumento do valor do benefício, enquanto os benefícios variáveis apresentam resultados mais expressivos no combate à extrema pobreza”, acrescenta a nota do Made.
  • Além dos efeitos potencialmente redistributivos da renda identificados no Novo Bolsa Família, o estudo antevê ainda impactos na redução das distâncias entre raças igualmente. A taxa de pobreza geral de toda a população, nessas estimativas, sairia de 24,6%, caso mantido o benefício de R$ 400, para 22,2% no sistema em vigor (2,4 pontos percentuais a menos), diante de um índice estimado em 23,2% caso o benefício único de R$ 600 estivesse vigorando (1,4 pontos mais baixo, mas praticamente um ponto percentual acima dos níveis esperados considerando o mesmo valor do benefício base e todos os benefícios variáveis).
  • Entre mulheres e homens negros, a taxa de pobreza seria reduzida em 3,1 pontos percentuais, o que se compara com uma queda de 1,5 e 1,4 pontos para mulheres e homens brancos, respectivamente, no modelo atual.
  • A extrema pobreza, que considera uma renda mensal de R$ 184,29 em valores atualizados para 2022 (em torno de R$ 6,14 por dia), tenderia a recuar de 4,7% se mantido o benefício de R$ 400 para 2,9% com o aumento para R$ 600 por famílias, mas com queda para 1,5% (3,2 pontos percentuais a menos) no formato em vigor.
  • Na mesma linha, o índice de extrema pobreza deve ser reduzida em 4,7 e 3,9 pontos percentuais para mulheres negras e homens negros, na mesma ordem. A redução para mulheres e homens brancos ocorreria numa proporção de 1,7 pontos percentuais nos dois casos.
  • A simples manutenção do benefício em R$ 600, sem inclusão dos demais contemplados pelo novo programa, teria como efeito uma redução de 2,6 e de 2,1 pontos percentuais na taxa de extrema pobreza para mulheres e homens negros, respectivamente, com recuo de um ponto tanto para mulheres quanto para homens brancos.
  • “Em particular, o Novo PBF [a “proposta 3”] afeta diretamente o grupo populacional de pessoas negras: os benefícios variáveis têm um papel importante para atingir esse grupo, sendo capazes de retirar por si só 1,26 milhão de mulheres negras e 1,06 milhão de homens negros da extrema pobreza”, sublinha o trabalho.
  • Ainda conforme o trabalho, a estrutura de benefícios variáveis, como parte do Novo PBF, “revela um potencial de ser um expoente no conjunto de políticas públicas que beneficiam diretamente os grupos populacionais responsáveis pelo trabalho de cuidado com crianças e adolescentes, no caso brasileiro as mulheres negras”. Numa “sociedade estruturalmente discriminatória”, prossegue, “esse tipo de política atua na redução de desigualdades, em particular na redução do hiato racial e de gênero da pobreza, mesmo não sendo o objetivo explícito desse tipo de política de transferência de renda”.
  • De toda forma, a despeito de todo o efeito direto expressivo sobre os níveis de pobreza e extrema pobreza, isoladamente, o programa atual “não consegue reduzir drasticamente os índices de pobreza brasileiros”, o que “ressalta a necessidade de que um conjunto de políticas e medidas mais robustas e integradas sejam adotadas em paralelo”.
  • A depender dos métodos e multiplicadores escolhidos, o trabalho estima que o impacto do Novo PBF sobre o Produto Interno Bruto (PIB), caso o programa estivesse em vigor desde janeiro, tenderia a acrescentar 1,66% ao produto, na métrica estabelecida pela Matriz de Contabilidade Social (MCS), e entre 6,1% e 9,5% a se considerar “os diferentes multiplicadores fiscais estimados pela literatura”.