Num mês de especulação deslavada, dados contrariam chororô do mercado

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 31 de julho de 2024

Em meio à crescente onda especulativa estimulada pelo presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, quando decidiu por conta própria alterar a orientação previamente acordada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para a política de juros, a cotação do dólar saltou de R$ 5,24 no final de maio para R$ 5,56 no encerramento de junho, em alta de aproximadamente 6,1%. Análises, manchetes, chamadas nas grandes redes de televisão e dos jornalões, nas suas versões digital e física, comentários de boteco, enfim, “deformadores” de opinião em série voltaram suas baterias, num ataque orquestrado, contra a política econômica, refletindo o chororô habitual dos mercados.

O cenário antevisto pelos arautos do austericídio em massa seria dominado por sangue e ranger de dentes, com o País e sua economia condenados ao fogo eterno do baixo crescimento ou, pior, do retrocesso econômico, por conta de uma fantasiosa “gastança” patrocinada pelo governo e sua equipe de gastadores contumazes. Então, em julho, foram divulgados os dados sobre o setor fiscal e o desempenho das contas externas um mês antes, quando a especulação correu despudoradamente. Os números? Ah, sim.

Claro. Desmentiram o chororô.

Conforme já registrado neste espaço (O Hoje, 30/07/2024), o déficit primário do setor público como um todo, que corresponde à diferença entre receitas e despesas, quando desconsiderados os gastos com juros, encolheu 16,41% no mês passado, na comparação com junho de 2023, baixando de R$ 48,899 bilhões para 40,873 bilhões – ou seja, uma redução de R$ 8,026 bilhões. O déficit primário do governo geral no acumulado em 12 meses até junho elevou-se para 2,44% do PIB, depois de ter encerrado 2023 em 2,29%, o que mostra uma evolução de 0,15 pontos percentuais.

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O mundo não acabou

Bom, não se parece com um cenário de “fim de mundo”, especialmente quando comparado com os dados projetados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para o restante do mundo. Na média, as economias mais avançadas tendem a registrar um déficit primário de 2,4% do PIB neste ano, de acordo com o Monitor Fiscal do FMI, divulgado ainda em abril passado. Para as economias emergentes, a previsão era de um déficit de 3,4% neste ano, repetindo o resultado de 2023. Mantidos os níveis atuais, o déficit do setor público brasileiro estaria praticamente um ponto percentual abaixo da média dos países emergentes.

Balanço

  • No setor externo, os dados do BC mostraram um avanço vigoroso do investimento direto no País, ainda que o crescimento mereça ressalvas. De toda forma, não se confirmaram as previsões mais sombrias do mercado. O investimento estrangeiro saltou de US$ 1,950 bilhão em junho do ano passado para US$ 6,269 bilhões no mesmo mês deste ano, num aporte adicional de US$ 4,319 bilhões, o que representou um aumento de 221,49%.
  • Quase dois terços do incremento observado entre aqueles dois meses, de toda forma, estiveram relacionados a operações entre companhias, entre empresas subsidiárias ou entre filiais e matrizes. Em junho de 2023, companhias estrangeiras haviam remetido para fora do País em torno de US$ 901,693 milhões e passaram a injetar aqui dentro US$ 1,957 bilhão em igual mês deste ano, correspondendo a uma “virada” de US$ 2,859 bilhões.
  • O investimento em participação em capital, geralmente direcionados a expansão dos negócios domésticos de grupos sediados fora do Brasil e ainda para aquisições de ações de terceiras empresas, cresceu fortemente também, subindo de US$ 2,852 bilhões para US$ 4,313 bilhões – uma alta de 51,23%.
  • No primeiro semestre, o investimento estrangeiro total cresceu pouco mais de 20,0% ao avançar de US$ 30,406 bilhões para US$ 36,504 bilhões, quer dizer, perto de US$ 6,098 bilhões a mais. Novamente, a principal contribuição veio das operações intercompanhias, que passaram de US$ 7,168 bilhões para US$ 11,326 bilhões, subindo 58,0%. As inversões em participação no capital cresceram 8,34% entre a primeira metade do ano passado e idêntico semestre deste ano, saindo de US$ 23,238 bilhões para US$ 25,177 bilhões.
  • Claro que os números não ajudaram a mudar o noticiário essencialmente e nem sequer contribuíram para alterar o tom das análises, com o “comentarismo” vicejando literalmente como erva daninha. O noticiário econômico optou por dar maior destaque para o crescimento da dívida pública, chegando a detalhar superficialmente os fatores que determinaram aquele aumento.
  • A dívida bruta do governo geral, conceito que inclui todos os níveis de governo (União, Estados e municípios), de fato cresceu 14,45% em termos nominais entre junho do ano passado e igual mês deste ano, saindo de R$ 7,594 trilhões para pouco menos de R$ 8,692 trilhões. Foram acrescidos ao saldo da dívida perto de R$ 1,098 trilhão. As emissões de dívida nova, que somaram R$ 177,901 bilhões, responderam por apenas 16,21% do aumento observado para o total da dívida.
  • Ajustes cambiais e os efeitos da variação do dólar sobre a dívida contratada em moeda estrangeira, somados às dívidas reconhecidas ao longo do período, foram responsáveis por 8,12% do aumento total. Os juros incorporados ao saldo devedor, por sua vez, tiveram participação determinante no processo, representando 75,67% da variação sofrida pela dívida. Em valores absolutos, apenas os juros fizeram a dívida crescer em R$ 830,487 bilhões em 12 meses, o que correspondeu a nada menos do que 7,44% do PIB estimado pelo BC para os mesmos 12 meses encerrados em junho deste ano (algo próximo de R$ 11,166 trilhões).