Num momento crítico, mercados acirram especulação oportunista

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 23 de novembro de 2022

O mercado financeiro e seu ministro predileto continuam fazendo o que sempre fizeram, especulando, manipulando dados e distorcendo a realidade para ganhar, nos campos das finanças e da política rasa, minúscula mesmo, à altura do governo que se despede em meio a manobras terroristas e antidemocráticas. Ambos buscam tirar proveito de um momento crítico para o País de forma oportunista, sem o menor pejo e nenhuma preocupação com os interesses maiores da sociedade. Os mercados de ações e do dólar movimentam bilhões de reais diariamente e, entre altas e quedas, ganham os mais “espertos”, os donos do dinheiro, e perdem os que acompanham a “manada”, comprando na alta e vendendo na baixa.

As ondas especulativas prestam-se exatamente a engordar lucros dos muito ricos, com efeitos deletérios sobre o lado real da economia, sobretudo quando as cotações do dólar passam a oscilar excessivamente, o que dificulta o planejamento das empresas, afeta decisões de investimento e coloca incertezas no caminho de exportações e importações. A cotação da moeda norte-americana, segundo dados do mercado divulgados pela imprensa dita especializada, fechou o dia ontem a quase R$ 5,38, subindo em torno de 1,24% frente à cotação de segunda-feira, 21. Na média capturada pelo Banco Central (BC), no entanto, o dólar teria experimentado oscilação de 0,15% na mesma comparação, saindo de R$ 5,326 para R$ 5,334.

Ainda nos dados do BC, entre 31 de outubro, quando estava em pouco menos de R$ 5,26, e o dia de ontem, o dólar havia experimentado elevação de 1,46%, com elevação acumulada de quase 3,0% desde agosto, saindo de R$ 5,18 no último dia daquele mês. O acompanhamento da autoridade monetária mostra que a cotação chegou a estar mais elevada no dia 30 de setembro, aproximando-se de R$ 5,41. Mas manchetes e análises da grande imprensa, de toda forma, têm se esmerado para acentuar o clima de incertezas, agregando ao dólar os movimentos alternando avanços e recuos nos preços das ações.

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Retórica irresponsável

O Ibovespa, índice que afere a variação das ações das principais empresas de capital aberto, deve ter acumulado, até ontem, queda próxima a 5,4%, depois de ter experimentado salto de praticamente 9,0% em outubro. Medido em pontos, o índice estaria muito próximo dos níveis registrados ao final de agosto e setembro e ainda levemente acima daqueles observados em novembro do ano passado. Mas, dizem os mercados, numa retórica reforçada irresponsavelmente pelo ministro dos paraísos fiscais, as ações caem e o dólar sobe porque os “investidores” temem que o governo não consiga pagar o que deve aos donos da dívida pública (que são os mesmos donos do dinheiro), já que a equipe de transição do presidente eleito tem planos de rever o “teto de gastos” e implantar nova política fiscal, que permita incluir os mais pobres e vulneráveis no orçamento da União.

Balanço

  • Como mostraram os economistas José Luís Loureiro, Luiz Fernando de Paula, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Kalinka Martins e Luiz C. Magalhães, em artigo recente, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, o temor de um “calote” na dívida pública não parece fazer parte do cardápio de expectativas do investidor estrangeiro – o que aparece claramente quando avaliado o comportamento do chamado “risco Brasil”.
  • Além do mais, acrescentaram eles, trata-se de uma “falácia” considerar o teto de gastos como uma política fundamental para atingir a tal “estabilidade fiscal”, até porque o governo que se encerra em 1º de janeiro estourou em R$ 795,0 bilhões os limites fixados pela chamada “lei do teto” em seus quatro anos de mandato, dos quais R$ 233,4 bilhões terão sido gastos em excesso apenas em 2021 e neste ano.
  • Medido pelo indicador EMBi+, criado pelo JP Morgan para avaliar os riscos embutidos nos papéis emitidos por governos emergentes, o “risco Brasil” experimentou queda de 27,93% entre meados de julho e o último dia 18 deste mês, segundo acompanhamento do Ipeadata. O índice saiu de 376 para 271 pontos base, quer dizer, a taxa adicionada aos títulos da dívida brasileira por conta do temor de uma eventual incapacidade de pagamento do governo estava em baixa.
  • Esse “adicional de risco” significava que a dívida brasileira estava sendo negociada no mercado com a taxas em torno de 2,71 pontos percentuais acima daquelas aplicadas aos títulos da dívida dos Estados Unidos. Ao final dos dez primeiros dias de junho do ano passado, aquele diferencial havia sido de 3,89 pontos percentuais.
  • O índice registrado em 18 de novembro deste ano não era muito diferente daquele registrado no primeiro dia útil do governo eleito em 2018. Em 3 de janeiro de 2019, o índice EMBi+ estava em 275 pontos. Os mercados, lá fora pelo menos, não parecem motivados o suficiente para acompanhar o frenesi gerado aqui dentro em torno do teto de gastos, reconhecendo sua baixa efetividade para assegurar qualquer forma de estabilidade fiscal, de resto alcançada às custas de receitas extraordinárias, que não se repetirão no futuro, achatamento de despesas com servidores, congelamento do salário mínimo em termos reais, corte vertical nos investimentos do setor público, incluindo o governo federal e suas estatais.
  • As receitas cresceram muito acima do que sugere a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, favorecidas pelo aumento do pagamento de lucros e dividendos, especialmente no caso da Petrobrás, e ainda pela alta dos preços das commodities, gerando ganhos extras no recolhimento de contribuições sobre a exploração de recursos minerais (petróleo e minério de ferro, destacadamente).
  • Segundo o economista Sergio Gobetti, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as receitas federais foram favorecidas pelo “maior aumento de preços de bens sujeitos e maior carga tributária” e pelo “boom nos preços do petróleo, combinado com desvalorização cambial”. Nenhum daqueles movimentos teve qualquer relação com a política econômica em curso (ou sua ausência, parece mais correto dizer), mas responderam por alguma coisa perto de dois terços do superávit primário acumulado nos 12 meses finalizados em setembro deste ano.