O “choque” de juros e o tombo no rendimento real dos trabalhadores

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 28 de outubro de 2021

O valor real do rendimento médio recebido pelos trabalhadores no trimestre finalizado em agosto deste ano caiu ao seu nível mais baixo desde os meses finais de 2016. O tombo afetou tanto o rendimento habitualmente recebido na média pelo total de pessoas ocupadas quanto o rendimento efetivamente recebido, o que parece indicar que o auxílio emergencial mitigado desembolsado pelo governo neste ano não tem sido suficiente para evitar a retração da renda das famílias neste momento.

Em parte, as perdas têm sofrido forte influência da alta nos preços, especialmente nos casos dos alimentos, energia, gás de cozinha e combustíveis. Outra parcela da queda pode ser explicada pela dinâmica assumida pelo mercado de trabalho ao longo deste ano, com avanço da informalidade e crescimento da ocupação entre setores de remuneração comparativamente menor, puxando o rendimento médio do total de trabalhadores para baixo.

O “choque de juros”, já em plena execução pelo Comitê de Política Monetária (Copom), que ontem elevou a taxa básica de 6,25% para 7,75% ao ano (1,5 ponto de porcentagem a mais), deverá ajudar a afundar a atividade econômica a pretexto de segurar a inflação. Em seu comunicado ao mercado, o comitê antecipou que em sua próxima reunião e última do ano, nos dias 7 e 8 de dezembro, deverá repetir a dose, o que significaria elevar os juros para 9,25%. Mas o próprio Copom tratou de deixar no ar a possibilidade de um avanço ainda maior do que o anunciado, como ocorreu agora.

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Liberalismo ideológico

Ao derrubar a demanda, com o encarecimento dos juros e arrocho no crédito (como pressupõem as decisões recentes do comitê), o resultado será queda na produção, que já vem sofrendo baixas, vendas menores em todo o comércio, com impactos negativos sobre o emprego e, por consequência, sobre a renda das famílias. O receituário definido pelo Banco Central (BC) para enfrentar a inflação parece não apenas inadequado, mas francamente contraproducente. A retomada da escalada nos preços desde o trimestre final de 2020 guarda estreita relação com o movimento de alta das commodities no mercado internacional (soja, milho, carnes, petróleo, minério de ferro e outras matérias primas e insumos agrícolas e industriais), potencializado por uma política cambial temerária. A desvalorização do real frente ao dólar, diante da quase paralisia do BC nesta área (em nome de um liberalismo ultrapassado e ideológico), transferiu com vigor para o mercado brasileiro todo o salto experimentado pelas commodities e mais um pouco.

Balanço

  • Aqueles aumentos afetaram diretamente os custos das empresas e causaram inflação para o consumidor. O BC argumenta que juros mais altos são necessários para conter os tais “efeitos de segunda ordem” causados pela subida dos custos e transferidos, ainda que parcialmente, aos preços finais dos produtos. O fato é que o custo representado pela liquidação de empregos, achatamento da renda e pelo aumento do sofrimento da população, será alto demais enquanto crescem as filas em busca de restos de alimentos e ossos nos grandes centros urbanos, em meio a uma pandemia ainda não encerrada e que se coloca ainda como uma ameaça concreta, até que vacinação atinja, se não todo, ao menos a maior parte do país.
  • O ministro dos mercados, em seu delírio diário, certamente vai celebrar os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrando a criação de 8,522 milhões de empregos entre o trimestre junho a agosto de 2020 e igual período deste ano. Como sempre, o ministro injeta alguma dose de realidade para tornar seus delírios aparentemente factíveis.
  • Esse crescimento só é verdadeiro quando comparado ao pior nível registrado pela ocupação em toda a série histórica recente da pesquisa, iniciada em 2012. No trimestre finalizado em agosto do ano passado, restavam 81,666 milhões de pessoas com alguma forma de ocupação, dos quais 38,0% (ou 31,043 milhões de pessoas) estavam na informalidade, sobrevivendo às custas de “bicos”, sem garantias e nem direitos. Comparado ao trimestre final de 2019, quando 94,552 milhões de brasileiros tinham algum tipo de emprego, o total de ocupados havia desabado 13,6%, com liquidação de 12,886 milhões de vagas.
  • Desde lá, o mercado conseguiu repor praticamente dois terços dos empregos perdidos, acumulando ainda uma redução de 4,6% frente aos níveis do trimestre final de 2019, o que corresponde a 4,364 milhões de empregos ainda não retomados. Mas este é um dos lados do problema.
  • O avanço do emprego foi puxado principalmente pelo crescimento da informalidade, padrão que a economia já vinha seguindo depois da recessão de 2015/16. Entre junho-agosto de 2020 e o mesmo trimestre deste ano, o total de informais aumentou 19,5% (diante de uma variação de 10,4% registrado para o total de ocupados). A informalidade passou a atingir 37,099 milhões de trabalhadores, ou seja, 6,052 milhões a mais do que em igual período de 2020. O setor informal, portanto, respondeu por 71,1% de todas as ocupações geradas no período.
  • Adicionalmente, ocupações de menor qualificação, em grande parte abrigadas no mercado informal, experimentaram crescimento ao redor de 15,0% naquela mesma comparação, passando de 41,153 milhões para 47,328 milhões de pessoas, num acréscimo de 6,175 milhões de ocupados. Mais claramente, esse tipo de ocupação respondeu por 72,5% de todas as ocupações criadas a partir de agosto do ano passado.
  • O efeito da combinação desses fatores foi a queda real (descontada a inflação) de 10,2% no rendimento médio habitual, para R$ 2.489, e recuo de 3,0% para o rendimento efetivamente recebido, que caiu para R$ 2,5 mil. No primeiro caso, foi o valor real mais baixo desde o trimestre encerrado em outubro de 2016. No segundo, o valor só consegue ser mais elevado do que o rendimento registrado no trimestre finalizado em novembro de 2016.