O ministro dos “paraísos fiscais” cruza os braços (mas há saídas contra a crise)

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em: 14 de outubro de 2021
O ministro da Economia, Paulo Guedes. fala à imprensa no Palácio do Planalto

O ministro dos mercados e, sabe-se agora, dos “paraísos fiscais” cruza os braços diante da crise que empurra milhões à miséria e à fome – embora, o que já é bastante conhecido, esmere-se na montagem de “negócios muito especiais” com o patrimônio público, em benefício de seus coleguinhas das altas finanças, os donos do dinheiro no País. Se a economia está “bombando”, para usar sua terminologia particular e ilusionista, e a inflação alta é um problema global, então não há mesmo necessidade de adotar políticas para combater ou amenizar os impactos da crise. Nitidamente, o ministro exercita o mesmo negacionismo aplicado pelo governo ao qual serve à saúde, à ciência e tecnologia, à educação, à cultura.

Antes de quaisquer considerações, não é plenamente verdadeiro que a inflação seja um fenômeno exclusivamente externo. De fato, os preços seguem em velocidade mais acelerada neste ano em praticamente todas as economias no planeta, pressionados pela quebra nas cadeias de suprimento de insumos, matérias primas, peças, componentes eletrônicos, acessórios, assim como pelas altas observadas para commodities agrícolas e metálicas, para o petróleo e seus derivados.

Feita a ponderação, deve-se observar que a inflação brasileira guarda características próprias, conforme já detalhado neste espaço (O Hoje, 12/10/2021). Para além dos pontos já tratados aqui, a taxa inflacionária no Brasil tem ficado muito acima da média mundial e, sobretudo, acima da média projetada por organismos internacionais para os países emergentes. Na média da “área do euro”, conforme a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o “clube” dos países mais ricos, a inflação tende a fechar 2021 em torno de 3,1%, saindo de uma deflação (ou queda geral dos preços médios na economia) de 0,27% em 2020. No México e na China, ainda de acordo com a instituição, a inflação deve subir de 3,52% e 0,08% para 5,91% e 2,42% respectivamente. Na previsão mais recente do Fundo Monetário Internacional (FMI), liberada em outubro, os países emergentes tendem a registrar uma taxa média de inflação ao redor de 4,70% neste ano. Para relembrar, os mercados elevaram a previsão para a inflação brasileira de 8,0% há um mês para 8,59% para os 12 meses de 2021. A taxa acumulada nos 12 meses até setembro estava em 10,25% com total inércia da equipe econômica. Corrijo-me. O BC tem feito o que sempre fez: aumentar os juros para sufocar ainda mais a economia, trabalhadores e classe média para tentar derrubar preços.

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Políticas alternativas

O economista Bráulio Borges, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), em nota publicada no Blog do Ibre, considera que “a política econômica deve sim ser ativa” no enfrentamento da crise e que suas consequências não são necessariamente inevitáveis – vale dizer, há políticas e medidas que o governo poderia tomar para reverter o desemprego, uma das chagas que tem emperrado as possibilidades de retomada do crescimento. No entanto, há dúvidas sérias se haveria condições disso ocorrer em se tratando da equipe econômica comandada por um ministro que sequer se enrubesce por manter contas em paraísos fiscais. Além disso, retoma Borges, a virada exigiria “algumas mudanças importantes nas posturas do Executivo e da política econômica, bem como no arcabouço institucional brasileiro”. O que apenas complica o cenário futuro.

Balanço

  • Em sua análise, Borges demonstra que a economia brasileira vem enfrentando já há algum tempo um descasamento entre o Produto Interno Bruto (PIB) e o mercado de trabalho. As oscilações para cima eventualmente registradas pelo PIB, que mede o volume total de bens e serviços produzidos pela economia, não têm sido acompanhadas por variações na mesma direção do emprego e, especialmente, da taxa de desocupação.
  • Num cálculo técnico, utilizando metodologia reconhecida internacionalmente, o economista estima que, dada a variação de 1,6% registrada pelo valor adicionado ao produto nos quatro trimestres finalizados em junho deste ano, a taxa de desemprego deveria ter subido “apenas” 0,2 pontos de porcentagem. Mas a alta indicada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) ficou em 0,8 pontos entre o segundo trimestre do ano passado e igual período deste ano.
  • O termo em inglês para esse “fenômeno” é “joblessrecovery” (quando a atividade econômica experimenta alguma recuperação, mas não consegue criar empregos ou, no caso, criar empregos em número suficiente para evitar que o desemprego continue avançando).
  • O estrago é ainda maior quando se considera o desempenho do PIB ajustado pelo nível de emprego, continua Borges. Neste caso, o tombo teria sido de 6,1% no ao passado, acima da queda de 4,1% registrada oficialmente, com avanço de apenas 0,6% nos 12 meses terminados em junho deste ano (abaixo do avanço de 1,6% efetivamente observado). As diferenças se explicam pelo fato de os setores que mais empregam, ainda que em proporção maior para informais e empregos de baixa produtividade, terem sido mais afetado pela crise e ainda se encontrarem longe de qualquer recuperação.
  • Essa combinação de fatores, considerando o que Borges chama de “projeções de consenso” entre os economistas, deverá produzir uma perda permanente do PIB “de quase 5,0% no médio prazo em relação às expectativas de consenso pré-pandemia”. O mesmo exercício mostra que a perda deverá se aproximar de zero para Estados Unidos e China. O cenário aqui fica pior porque, em 2019, a economia já estava em torno de 3,0% abaixo dos níveis observados antes da recessão de 2014/2016. Em junho deste ano, mais de um quarto dos desempregados, ou pouco mais de 3,8 milhões de trabalhadores, estavam sem emprego há mais de dois anos, diante de 1,1 milhão no final de 2013 e de 2,9 milhões no último trimestre de 2019.
  • Na visão de Borges, o BC deveria perseguir uma redução mais gradual da inflação, o que implicaria juros bem mais moderados do que os atuais; a política fiscal deverá comportar um “subteto” para investimentos públicos, pelos impactos que traz para o nível da atividade e do emprego (e, portanto, também da arrecadação); e a política econômica deveria ser operada de forma a favorecer uma “transição verde” para a economia, com alto potencial de geração de empregos. Mas, de novo, as autoridades deveriam estar dispostas a “tentar maximizar o bem-estar” da sociedade, minimizando a miséria.